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Elias de Oliveira Sampaio

Artigos do Colunista

Elias de Oliveira Sampaio

Economista do Ministério da Economia. Mestre em Economia e Doutor em Administração Pública pela UFBA. Autor de diversos trabalhos acadêmicos e científicos, dentre eles o livro Política, Economia e Questões Raciais publicado - A Conjuntura e os Pontos Fora da Curva, 2014 a 2016 (2017) e Dialogando com Celso Furtado - Ensaios Sobre a Questão da Mão de Obra, O Subdesenvolvimento e as Desigualdades Raciais na Formação Econômica do Brasil (2019). Foi Secretário Estadual de Promoção da Igualdade Racial (Sepromi) e Diretor-presidente da Companhia de Processamento de Dados do Estado da Bahia (Prodeb), Subsecretário Municipal da Secretaria da Reparação de Salvador (Semur), Pesquisador Visitante do Departamento de Planejamento Urbano da Luskin Escola de Negócios Públicos da Universidade da Califórnia em Los Angeles (UCLA), Professor Visitante do Mestrado em Políticas Públicas, Gestão do Conhecimento e Desenvolvimento Regional da Universidade do Estado da Bahia (Uneb). Professor, Coordenador do Curso de Ciências Econômicas e de Pesquisa e Pós-Graduação do Instituto de Educação Superior Unyahna de Salvador.

A Eleição Municipal em Salvador - 2024: Um Ponto de Virada?

A eleição de Eliete Paraguassu (PSOL), Hamilton Assis (PSOL) e as reeleições de Marta Rodrigues (PT) e Silvio Humberto (PSB) para a Câmara de Vereadores de Salvador (CMS) nesse pleito de 2024, marca um momento muito singular na política soteropolitana no que diz respeito ao recorrente debate sobre as desigualdades raciais e a baixa representatividade político-institucional de negros e negras “afro centrados” em Salvador e na Bahia. Cada um/a dessas atrizes/atores políticos, como também outras pessoas que já passaram pela CMS, tem tido em suas respectivas histórias de luta pela equidade racial um legado que nos permite trazê-los para esse debate como ponto de partida para nossa reflexão. No entanto, a grande particularidade que vemos nesse momento foi a conjunção de um caráter coletivo e suprapartidário que contextualizou esse alvissareiro resultado numa eleição que foi, de longe, a mais difícil para o campo das oposições ao grupo liderado por ACM Neto desde 2012. Neste sentido, não é razoável desassociar a performance eleitoral desses/as parlamentares – no que pese as particularidades partidárias situacionais de cada um/a - a também extremamente relevante votação para prefeito de Kleber Rosa (PSOL) que, ao mesmo tempo conseguiu superar de forma maiúscula o percentual histórico de votos dos candidatos a prefeito anteriores de seu próprio partido, mas, principalmente, ter superado o representante da base do governo estadual que desde 2008, disputa a cidade de Salvador sempre como a segunda força política. No que pese todas as corretas avalições sobre os crassos erros políticos em escala astronômica que desaguou na escolha e na campanha do candidato apoiado pela aliança em torno do PT, o nosso entendimento sobre isso resguarda algumas outras perspectivas que nos permitem afirmar que a debacle da candidatura de Geraldo Júnior (PMDB) não pode ser atribuída tão somente a sua escolha enquanto candidato e, muito menos, ao seu desempenho na campanha isoladamente, narrativa que agora, aparece no discurso de parte significativa de seus próprios apoiadores e, até, de alguns dos responsáveis pela sua indicação. A meu ver, o que aconteceu em Salvador é uma incontroversa consequência de que o modelo de eleições “de postes” ou escolhas de cima para baixo, particularmente em partidos que se entendem como esquerda está esgotado. Isto é, aquilo que foi muito comum durante o coronelismo raiz de outrora e cuja prática tem sido mimetizada pela deformada noção de “hegemonia de balaio de gatos” que tem se conformando a chamada base aliada ampliada (sic) que tem sustentado as vitórias eleitorais ao governo da Bahia desde 2014, mas que, contraditoriamente e profundamente, vem acumulando derrotas cada vez mais acachapantes nos municípios mais importantes do Estado desde 2008, está com os dias contados. É por isso que as humilhantes derrotas em Feira de Santana, Vitória da Conquista e Lauro de Freitas já em primeiro turno, além do difícil e acirrado coin flip em Camaçari cujo desfecho se dará em segundo turno, não podem ser vistas como simples movimentos da conjuntura eleitoral. Muito pelo contrário, representa sim uma demonstração inequívoca de que o sistema entrou em entropia e o colapso pode estar próximo. Logo, mudanças profundas e imediatas precisam acontecer não apenas na forma, mas, fundamentalmente, no conteúdo dos processos de escolhas eleitorais e políticas do campo das esquerdas que por ora ainda estão à frente da burocracia em nível estadual. Nesta mesma senda, cada dia se torna ainda mais imperativo que haja uma avaliação qualitativa de folego sobre toda a modelagem da governança política que tem sido implementada pelo governo que vem dirigindo os destinos dos baianos por mais de 18 anos ininterruptos, uma vez que desempenhos eleitorais negativos de forma sistêmica como os observados neste ano, são importantes marcadores de insatisfações acumuladas e espalhadas por várias camadas sociais e distintos grupos sociais. No campo racial, por exemplo, isso é indiscutível. Do lugar de onde observo, portanto, é preciso fazer um batimento responsável entre narrativas, práticas e resultados de forma muito objetiva para se verificar, de fato, qual o verdadeiro nível de transformação na qualidade de vida e em avanços políticos-institucionais alcançados, em especial aqueles relativos à equidade racial e a garantia de direitos. Nesse aspecto, a questão fundamental que precisa ser respondida por quem de direito é porque mesmo entendendo-se todas as contradições inerentes ao jogo político-institucional-eleitoral desses quase vinte anos de poder exercido pelo campo progressista que derrotou o carlismo em 2006, a síntese desse longo período de gestão do establishment não é a de agregação de valor, mas sim, de um paulatino esvaziamento institucional das bandeiras tradicionais das esquerdas brasileiras e baianas em que o PT, que lidera o governo do Estado, tem desenvolvido desenhos e discursos programáticos de relevância sem, contudo, garantir avanços concretos sustentáveis em prol da maioria do povo baiano, particularmente da sua grande maioria negra? Esse é a trama mais importante que faz do resultado das eleições 2024 em Salvador ainda mais emblemático e relevante para atenção das lideranças negras baianas e soteropolitanas, onde ainda destacamos: 1) a performance eleitoral de Kleber Rosa, inclusive com apoio da “desobediência civil’ de importantes militantes dos partidos de esquerda da base do governo estadual; 2) a manutenção dos mandatos de Marta Rodrigues e Silvio Humberto, a despeito do fracasso eleitoral da chapa majoritária que eles fizeram parte e 3) a chegada de Eliete Paraguassu e Hamilton Assis a CMS, cujas campanhas não foram feitas com o apoio de estruturas governamentais e empresariais, mas, fundamentalmente sustentadas por aquilo que podemos chamar de militantes do Campo Étnico Popular, latu senso. Ou seja, mesmo tendo em vista a tentativa de alguns de credenciar a eleição de Marta Rodrigues como obra única e exclusiva da sua relação consanguínea com o governador do Estado – fantasia que não resiste a uma análise política minimamente responsável – o fato concreto é que o conjunto dessas sincronicidades eleitorais não é algo a ser desconsiderado do ponto de vista político, no geral, e muito menos no que diz respeito aos debates acerca da importância da representatividade racial nas disputas políticas e na gestão pública em Salvador e na Bahia. Por oportuno, deve-se salientar também que todo esse movimento tem sido catalisado de forma consistente nos últimos anos a partir dos debates e intervenções suprapartidárias e multi-grupais da Bancada do Feijão, especialmente a partir da Campanha EU QUERO ELA que foi um divisor de águas importante nas campanhas eleitorais em Salvador a partir de 2020. Assim, o que podemos estar observando, de forma mais pragmática a partir da performance eleitoral de representantes orgânicos do movimento negro da Bahia é um importante processo de renovação política na cidade – e quiçá no Estado - à esquerda, racialmente autocentrada e que ainda resguarda uma distância “higiênica” de estruturas e compromissos de uma burocracia pública não necessariamente comprometidas com as transformações profundas que a nossa sociedade precisa. Mais do que isso, esses novos agrupamentos que adentram formalmente no parlamento local, ao redor de um partido como o PSOL, podem representar também uma importante e necessária agregação de valor tático e estratégico ao movimento mais compreensivo do que temos chamado de Campo Étnico Popular de Salvador que nos últimos 20 anos apresentaram lideranças negras exitosas do ponto de vista eleitoral e de criação de políticas de promoção da equidade racial, cujos exemplos mais proeminentes podem ser ilustrado pelos mandatos estaduais e federais obtidos pelos grupos políticos liderado Deputado Luiz Alberto (PT), morto no ano passado, Valmir Assunção (PT), bem como o de Olivia Santana ora Deputada Estadual pelo PC do B. O resumo de tudo isso, do meu ponto de vista, é que a organização política-institucional negra suprapartidária e inter-multi-grupal não só é possível, como cada vez se demonstra mais necessária por trazer mais rapidamente resultados concretos para a nossa agenda mais ampla pela equidade racial e por políticas púbicas que promovam o desenvolvimento socioeconômico e a melhoria da qualidade de vida da maioria do povo baiano e soteropolitano. A hora do aquilombamento é essa e nosso tempo é agora, já nos ensinava Mãe Stella de Oxóssi.

16/10/2024 às 11:58

Afinal, quem garantirá a democracia brasileira?

O ano no Brasil só começa após o Carnaval. Mas em 2023, há uma particularidade que vale registro: superada a intentona golpista de 8 janeiro, tudo o que se anunciava como ação estratégica, para a política e a gestão do novo governo Lula, deve retornar para “a prancheta” de seus pensadores para incluir – de forma muito forte e resoluta - a luta pelo desenvolvimento efetivo e pela democracia plena como elemento estruturante para garantir o futuro da sociedade que conhecemos. Com efeito, toda a conjuntura dos últimos quatro anos, inclusive as ações do governo Bolsonaro durante a pandemia e, mais recentemente, a ciência de contextos genocidas mais estruturais patrocinados por aquela gestão e emblematicamente traduzidos pela tragédia dos Ianomâmis, nos impõe ao menos duas reflexões que me parecem fundamentais para ajudar no sucesso deste Lula 3. A primeira delas é que a experiência do interregno Bolsonaro (2018-2022) demonstrou que é mais do que necessário colocar em todos os parâmetros da ação política e político-institucional imaginada por todo campo político de apoio ao Governo Lula e seus representantes subnacionais eleitos em 2022, não apenas os discursos em prol da democracia, mas sobretudo, a prática cotidiana institucionalizada para manutenção do estado democrático de direito duramente reconquistado depois da ditadura militar. Paralelamente, é necessário atuar para a extirpar dos convívios coletivos formais os arautos do extremismo investidos em representações legitimadas por lacunas políticas ou institucionais, como o fora o próprio Bolsonaro em sua fase de Deputado Federal por mais de 30 anos, onde aclimatou os seus ideais extremistas aproveitando-se da omissão da própria Câmara Federal e de demais atores políticos, à direita e à esquerda. Isto é, todas as pessoas que comungaram com os atos de 8 de janeiro e as ações de caráter fascista de toda a era Bolsonaro não devem ter espaços institucionais para reproduzir suas ideias, por um simples motivo: após o 8/1/2023, resta evidente que o bolsonarismo nada mais é do que subproduto da pior espécie de extremismo, logo, é - per se - um risco iminente para a sobrevivência da nossa própria democracia. Por seu turno, é imperativo requalificar a força político-eleitoral do que chamamos de centro-esquerda, particularmente na Região Nordeste. A rigor, é preciso reconsiderar os reais significados de representatividade política dos seus mais de 80% de homens e mulheres negros e indígenas para dentro das estruturas mais robustas do aparelho de estado que ora vem sendo reformatado pelo Presidente Lula porque, ao fim e ao cabo, foi o peso desta população nordestina que não só garantiu a vitória eleitoral de Lula nas disputadíssimas eleições de 2022, mas que no atual momento de extrema conflagração política, também deverá se constituir num importante fiel de balança para os próximos embates. É óbvio que a força eleitoral de Lula foi a condição necessária para garantir a eleição estadual de seus principais aliados no Nordeste, mas, é importante também assinalar que a vitória dele foi igualmente retroalimentada pelos seus ganhos marginais de votação contra Bolsonaro atrelados a cada um desses candidatos nos Estados, o que, dado o apertadíssimo resultado final das eleições presidenciais, impediu que o ex-presidente derrotado permanecesse no poder. Assim, as performances eleitorais de Jerônimo Rodrigues (Bahia), de Elmano de Freitas (Ceará), de Carlos Brandão (Maranhão), Rafael Fonteles (Piauí) e Fátima Bezerra (Rio Grande do Norte), para ficar apenas no campo da esquerda nordestina, foram, na prática, “as palhas que quebraram as costas do camelo”. Portanto, “nunca antes na história (da república) desse país”, a região Nordeste e seu povo de diversidade singular, foram tão importantes para a manutenção da institucionalidade política e serão tão estratégicos para garantir a sustentabilidade e a efetividade da nossa jovem democracia, ao menos no futuro próximo. Para isso, essa força política não pode mais ser um instrumento gerido e muitas vezes até manipulado politicamente a partir de (pré) conceitos que identificam os seus eleitores e atores sociais pelo viés do peso das políticas compensatórias, das quais, a região ainda é a maior demandadora, especialmente do Bolsa Família. Em sendo assim, talvez o principal legado que esse terceiro mandato do Presidente Lula deixe para o Brasil ao final de 2026, não seja apenas a reestruturação de seu principal e ainda necessário programa de transferência de renda para a Região. Mas sim, a elaboração de um processo de planejamento paulatinamente bem parametrizado para redução significativa da quantidade de pessoas que precisem dessa política pública como única forma de sobrevivência de sua família, concomitantemente, com a criação e o fortalecimento de uma classe média negra no âmbito regional. Isto é, da mesma forma que as políticas de desenvolvimento do Nordeste encampadas a partir de 1952 pelo BNB e depois, mais organicamente pela Sudene (1959), foram cruciais para reduzir fortemente a morte de fome e de sede e estabelecer as bases para maior liberdade para o subjugado povo nordestino perante o coronelismo regional de outrora, a grande tarefa política do novo governo Lula 3 é fazer a transição da nossa ainda histórica “região-problema” demandadora de soluções compensatórias crescentes, para nossa “região-solução” a medida que se implemente um modelo desenvolvimento racialmente apropriado, ou seja, com a garantia de inclusão, diversidade e equidade, a priori. Digo isto porque há uma questão de fundo que precisa ser respondida pelos policy makers de plantão (e os que estiveram de plantão outrora) e que a literatura mais tradicional, mesmo as do campo progressista, resiste em lidar adequadamente. Trata-se de indagar o porquê de emblemáticas instituições como Sudene, BNB e BNDES terem conseguido fazer o Nordeste crescer e se modernizar economicamente, mas não foram capazes de serem exitosos em fazer com que a Região elevasse o seu grau de desenvolvimento, stricto senso, quando comparada ao centro-sul, particularmente, no que tange as desigualdades raciais intra-regionais e inter-regionais, mesmo depois de mais de 70 anos de implementação das chamadas políticas desenvolvimentistas de zilhões de reais, inclusive, durante os oito anos de Lula 1 e 2, período de governo de maior “continuum” de crescimento econômico e distribuição de renda já experimentado pelo Brasil? A resposta é simples: tais políticas não conseguem se desvincilhar daquilo que eu chamo da visão “leuco-desenvolvimentista” da grande maioria dos policy makers brasileiros, inclusive e acentuadamente, aqueles que muitos consideram dos mais progressistas. Ou seja, os formuladores de políticas públicas no Brasil têm sido historicamente incapazes de incluir nos seus modelos mentais e planos de ação, tanto a real importância socioeconômica da dimensão e a capilaridade da população negra, como combater os deletérios efeitos econômicos e para-econômicos de 350 anos de escravização e, depois disso, de 150 anos de institucionalização do racismo como elementos objetivos de barreiras à entrada e à ascensão dos negros nas diversas esferas do mundo produtivo, da educação e do trabalho, em toda a nossa sociedade. Logo, a ausência de políticas de combate às desigualdades raciais, a priori e como elemento estruturante nos grandes marcos das políticas de desenvolvimento para o Nordeste, é “a tensão essencial” que nos ajuda a compreender as causas da persistência daquilo que Myrdal, ao estudar o caso dos EUA em O Dilema Americano (1942), chamou de Causação Circular Acumulativa ou “círculo vicioso” da pobreza, associando esse fenômeno ao racismo, ao preconceito e a discriminação dos brancos americanos contra os negros americanos. Ao trazer esse construto teórico-metodológico para o caso nordestino, fica evidente que é o desprezo por esse tipo de entendimento conceitual que tem tornado ineficazes as chamadas políticas desenvolvimentistas desde as propostas de Getúlio Vargas de 1952, perpassando pelas ideias de Celso Furtado contidas no Grupo de Trabalho para o Desenvolvimento do Nordeste (GTDN/Sudene) em 1959, e mesmo as proposições do Documento Base para Recriação da Nova Sudene, do primeiro governo Lula em 2003. É diante de todo esse contexto que, apesar de reconhecer o significativo esforço de inclusão e diversidade demonstrado na montagem do primeiro escalão de Lula 3, com o retorno da SEPPIR, do Ministério dos Direitos Humanos, da Cultura, da Mulher e da criação do Ministério dos Povos Originários, tendo a sua frente mulheres e homens de importância e representatividade incontroversa para os debates em tela, ainda assim, ao meu ver, estamos muito aquém da organicidade necessária para fazer valer as demandas mais prementes do povo negro brasileiro em geral, e de sua parcela nordestina em particular. Ademais, considerando que o PT e a esquerda brasileira já possuem uma experiência de mais de 13 anos de gestão do governo federal, e quase 30 anos de gestão de algumas unidades subnacionais, já passou da hora das suas escolhas políticas partidárias para a gestão serem menos enviesadas racialmente. A verdade é que os negros e indígenas brasileiros apoiadores dos partidos de esquerda precisam urgentemente avançar para além das pastas de políticas compensatórias ou de caráter transversal. Eles têm “régua e compasso” e é preciso ir para os espaços que tratam do “core” da Política, da Gestão, da Economia, do Orçamento e do Planejamento Público, sem ser um simples apêndice representativo. Caso contrário, correremos um sério risco de termos mais do mesmo. Ou pior, termos que postergar essa disputa para momentos políticos mais difíceis, e a experiência recente nos mostrou que sempre as coisas podem piorar. Sigamos!

24/02/2023 às 18:41

O legado de Zumbi está de volta à Fundação Cultural Palmares: Axé João Jorge!

A indicação de João Jorge Rodrigues, Presidente do Olodum, para presidir a Fundação Cultural Palmares a partir de 01 de janeiro de 2023 é, sem dúvidas, a mais importante e emblemática de desta primeira fase do Governo Lula III. É óbvio que não estou aqui a desmerecer nenhuma das outras nomeações, a exemplo do extraordinário e corajoso movimento do Presidente Lula em indicar Anielle Franco para a Pasta de Promoção da Igualdade. No entanto, o que para alguns pode parecer algo apenas coerente com o simbolismo progressista que emana dos discursos do PT e de Lula, ao meu ver pode significar um verdadeiro divisor de águas nos debates para as questões raciais no Brasil, não apenas do ponto de vista da Cultura, mas principalmente, para a ampla complexidade de ações que a cada dia são mais necessárias e urgentes para promoção da Inclusão, Diversidade e Equidade que o nosso país tanto precisa. Observe-se com a devida ênfase, que o ataque sofrido pelo legado da Fundação Cultural Palmares por Bolsonaro e seu governo racista, a partir de ações institucionais muito objetivas contra o povo negro brasileiro, são plenamente comparáveis ao que fizera Joseph Goebbels do Ministério da Propaganda da Alemanha Nazista. Isto é, as ações em organismos na área de comunicação ou cultura não podem ser pensadas como algo pontual ou politicamente menor por se tratar de atividades vindas de entidades de tarefas transversais, como no caso da Alemanha sob Hitler ou de segundo escalão do Governo Federal, no caso de Bolsonaro. Ao contrário, se para Hitler havia um Goebbels cúmplice de primeira hora do extermínio dos judeus, à frente de um “ministério não militar e sem armas”, a direção da Fundação Palmares sob Bolsonaro teve por objetivo atuar para desconstruir aquilo que Carl Jung poderia chamar de inconsciente coletivo étnico-racial brasileiro, a medida que suas ações foram voltadas para extirpar todo o conteúdo do legado do povo negro, partindo da desqualificação da existência do próprio Zumbi dos Palmares. O ataque político aos nossos Heróis e Mitos, a partir de uma instituição como a Palmares, não é algo banal e muito menos burocrático, apenas. Por isso, a ação corretiva para mitigar esse conjunto de crimes de racismo, urdidos através da abusiva prática do racismo institucional, não pode ser relegada a uma questão secundária. É por isso, que na esteira da importância da indicação de Margareth Menezes como Ministra da Cultura, a de João Jorge como Presidente da Fundação Cultural Palmares, ao ver, se constitui sim, até o momento, no maior movimento antirracista deste governo e, ademais, se qualifica como uma condição necessária para o mais importante legado que a era Lula III poderá deixar para país, desde que, em ato continuo a esse brilhante ato, toda sua gestão se torne consciente de que o simbolismo da cultura não pode ficar restrito a estética, a ludicidade, ao entretenimento e a contemplação. Ao contrário, é mandatório dotar o novo ministério de capacidade financeira e de governança em um patamar muito superior ao que já fora experimentado nos primeiros governos Lula e Dilma, considerando que as políticas públicas culturais de outrora, inclusive nos governos subnacionais do PT e da esquerda, já superaram curvas de aprendizado de gestão, as quais, não seriam razoáveis retroceder. Por seu turno, é preciso ter clareza que as ações criminosas e de terrorismos reais e digitais dos racistas em geral, e dos extremistas bolsonaristas em particular, tem sido voltada fortemente contra o nosso legado ético e cultural, haja visto o recente incêndio do monumento em homenagem a Mãe Stella de Oxóssi, em plena Salvador, Capital da Bahia. Como não há nada no horizonte que indique que essas ações criminosas deixarão de existir no curto prazo, significa que se faz necessário a estruturação estratégica e diária de uma contraofensiva institucional de apropriada robustez. É nesse contexto, que a ida de João Jorge para Palmares agrega um valor inestimado para se imprimir um modelo de gestão eficaz e efetivo para a própria Fundação em si, mas também para o próprio MinC e o governo como um todo. Com efeito, ter a frente daquela instituição um gestor que está há mais de trinta anos presidindo de forma exitosa o Olodum, o Bloco Afro do Pelourinho - "a Holding Cultural da Bahia” mais conhecida e respeitada do Planeta - se constitui numa oportunidade ímpar para quaisquer governos que se pretendam progressistas e verdadeiramente interessado em fazer um governo com Inclusão, Diversidade e Equidade. Não obstante, o trabalho e o legado de João Jorge e a “Holding Cultural” que ele preside não têm sido reconhecidos tão somente no estrito âmbito da Cultura e do entretenimento, mas também, como atores sociais propositores e criadores de políticas públicas de promoção da igualdade racial, no âmbito governamental e não governamental com base na diversidade. Com efeito, ao lado de Antônio Carlos dos Santos - Vovô do Ilê Ayiê e suas respectivas instituições e todo o ecossistema sócio econômico e cultural afro da Bahia, João Jorge tem sido uma peça importante em processos muito objetivos de transformação político-institucional no nosso país em prol da igualdade e da democracia, uma vez que a mensagem do Olodum, caixa de ressonância de muitas de suas ideias e lutas – o reconhecimento dos Heróis de Búzios, por exemplo, tem chegado aos quatro cantos do mundo de forma muito eficiente. Portanto, do ponto de vista institucional, não é apenas o mundo que conhece João Jorge Rodrigues, seu trabalho e seu legado à frente do Olodum. O mais importante neste momento é que a República, sob Lula III, o conhece muito e desde sempre! Logo, é assentado sobre esse reconhecimento político institucional que o legado de Zumbi voltará a estar na centralidade da Fundação Cultural Palmares e, quero crer, que a partir do Minc e demais pastas correlatas, em todo o próximo governo Lula. Valeu Zumbi! Axé João Jorge!

23/12/2022 às 19:50

2020: o primeiro ano do resto de nossas vidas

O Brasil é o país do futuro! Essa frase usada e abusada pela elite brasileira para garantir os seus próprios privilégios enquanto a base da pirâmide social tem sido obrigada a se prostrar, a espera de uma vida melhor, perdeu integralmente o seu sentido a partir deste ano de 2020. A pandemia da covid-19 antecipou o destino de tudo e de todos. Com isso, não só tornou ainda mais explícito o subdesenvolvimento e a pobreza extrema do nosso país, mas também, o caráter cínico de assertivas como essa, porquanto nossa nação sempre esteve longe de projetar qualquer boa sorte para sua coletividade, porque a marca indelével da sociedade brasileira tem sido a extrema desigualdade de oportunidades, particularmente, entre negros e brancos. O desafio ora colocado, portanto, é como fazer um enfrentamento eficaz a esta realidade histórica e, ao mesmo tempo, queimar as etapas necessárias para se buscar um modelo de gestão socioeconômica e político institucional que alcance aquilo que o Brasil, teimosa e ardilosamente, sempre se negou executar: o exercício de uma democracia plena, a construção de igualdades de oportunidades substantivas e o planejamento de um desenvolvimento sustentável efetivo. Com efeito, num país que criou e acumulou suas riquezas  através de um modelo econômico baseado na escravização racial de seres humanos – o clássico sistema produtivo de “desigualdades extremas” –  a única forma de combater as “desigualdades duradouras” fruto de sua experiência particular, é através de ações coletivas e processos decisórios institucionais agressivos que coloquem a equidade no centro da política, das institucionalidades e da economia, lançando mão de robustos arranjos corretivos para dar conta das “rugosidades” geradas pelas “soluções” sociais, econômicas e político-institucionais solidificas pela “dependência de trajetória” deste extenso passado escravista, as quais, em conjunto, restringem fortemente as possibilidades reais de mudanças. Essa é uma tarefa complexa e não deve ser limitada a estruturas formais, apenas. É imperativo que ela seja vista como uma tarefa da sociedade como um todo. Neste novo momento, por exemplo, as “assépticas” elites intelectuais brasileiras que detém um enorme poder de formatar pensamentos e ações, precisam ser fortemente constrangidas e chamadas à devida responsabilidade sobre tais obrigações, uma vez que, tem hegemonicamente sustentado um conjunto de teses, teorias e métodos de abordagens dos problemas nacionais, abstraindo-se de tratá-los de forma verdadeiramente substantiva, por não considerarem as desigualdades raciais duradouras, produzidas pelo escravismo e herdadas do racismo secular, como as causalidades centrais do nosso subdesenvolvimento. Pior do que isso, muitas vezes esses mesmos atores sociais utilizam-se das mais equivocadas interpretações, supostamente científicas ou impróprias no tempo, para deformar a realidade multiétnica e multicultural da formação de nossa nação, para distorcer esses peculiares e importantes diferenciais estratégicos da construção histórica do Brasil, buscando inativar a mais peculiar riqueza intangível daquilo que poderíamos chamar de civilização brasileira, qual seja, a diversidade cultural e étnico racial legada pelos povos originários e pelos africanos trazidos escravizados para o nosso país. Esse é o ponto nevrálgico de tudo e, por isso, é a nossa população negra e indígena que são as que mais tem sido alvo das restrições e contingências do sistema socioeconômico contemporâneo cuja centralidade resguarda os mesmos modelos mentais racistas que vigoraram nos quase quatro séculos de escravismo. E mesmo após o fim do escravismo, com o acumulo de 130 anos de políticas públicas formuladas e implementadas, quase que tão somente, para garantir os privilégios materiais e imateriais dos mesmos grupos escravizadores de outrora. Logo, a consequência imediata de todo esse processo é uma eficaz persistência de “conspirações de pequenos grupos com recursos de poder” de caráter fortemente “extrativista”, inclusive, em alguns segmentos sociais ditos progressistas ou até mesmo de parcela da chamada esquerda nacional, fomentado iniquidades, desequilíbrios e desarranjos nas mais diversas esferas de relacionamento público e privado, para auferir parcelas cada vez mais significativas da renda, do poder político e de bem-estar social para si, às custas da pobreza, da extrema pobreza e da própria vida de parte significativa das pessoas dos grupos sociais historicamente excluídos: as Mulheres Negras, os Homens Negros e a Juventude Negra, em especial. É essa violenta assimetria que explica, em primeira instância, a eterna contradição de o Brasil ser um país rico do ponto de vista de seus recursos materiais e imateriais, mas profundamente desigual do ponto de vista étnico-racial e econômico. Por consequência, dada a dimensão quantitativa e da presença capilarizada da população negra em todas as camadas de nosso país, essa profunda contradição resulta por números inaceitáveis de sobre-representação de negros nos piores indicadores socioeconômicos, sobretudo, no que diz respeito a sua segurança física individual e enquanto grupo social particular. Os casos da morte do menino Miguel Otávio, filho da trabalhadora doméstica de um prédio de luxo em Recife, e de João Alberto nas dependências do supermercado Carrefour em Porto Alegre, são apenas exemplos emblemáticos desse perverso ambiente social que os movimentos negros brasileiros denunciam e combatem, desde sempre. Portanto, às vésperas de encerrarmos 2020 – um ano que só terá fim no calendário gregoriano, apenas - a questão que devemos nos colocar, enquanto testemunhas desse “ponto de mutação”, é como deveremos atuar de forma resoluta e proativa para mitigar os efeitos das acumuladas iniquidades raciais brasileiras, diante da antecipação de um futuro que nos foi apresentado por causa da luta global solidária contra o coronavírus, mas desafortunadamente, no interregno de um governo nacional com mentalidade política e prática institucional medievais inspiradas por experiências  extremistas e, por vezes até, de caráter nazifascistas. Esse é o contexto e os nós górdios que precisamos nos ater a desatar em prol da democracia e da igualdade de oportunidades, se, de fato, quisermos alcançar um grau de desenvolvimento satisfatório, algum dia, no Brasil. Assim, o crítico ano de 2020 deve ser entendido como um ponto de inflexão importantíssimo para que se mude mentalidades e práticas de pessoas, de coletividades e de instituições, uma vez que nunca tantas crises (e oportunidades) se mostraram de forma tão imbricadas numa dimensão espacial tão ampla e em tempos reais tão oportunos. Isto é, apesar de todas as dores, não podemos deixar igualmente de registrar que foi neste mesmo ano do frio assassinato do negro George Floyd, por policiais americanos brancos, que também testemunhamos a chegada de Kamala Harris, primeira mulher e negra, ao posto de segunda pessoa mais importante do pais mais poderoso do globo terrestre, através de uma eleição democrática cujo líder de sua chapa foi, nada menos que o vice-presidente do primeiro presidente negro dos EUA, num interstício eleitoral de apenas quatro anos, interrompendo brava prematuramente, o ciclo de poder de alguém que representava a antítese de tudo que a humanidade tem buscado fazer de bom nos últimos dois séculos, ao menos. Por outro lado, os inéditos recordes alcançados pelo piloto negro inglês Lewis Hamilton em 2020, foram impostos ao mundo da Formula 1, associando-se fortemente ao contexto do movimento Black Lives Matter, a partir de um tipo de ativismo antirracista jamais experimentado pela mais importante, mais rica, mais elitista e mais branca categoria esportiva mundial, amalgamando, inclusive, a centenária marca germânica Mercedes-Benz, a imagem mítica da Pantera Negra do reino africano de Wakanda. Ou seja, esses fatos não são simplesmente simbólicos e nem desconexos com a complexa conjuntura de três dos países fundamentais para a estruturação do regime escravista que vigorou no mundo a partir entre os séculos XVI e XVIII (Inglaterra e EUA), e/ou são peças chaves da hegemonia do sistema capitalista há mais duzentos anos (Alemanha). Ao contrário, são ilustrações paradigmáticas do conjunto de mutações que fazem parte de um profundo processo de transformação off label que a peculiaridade deste cabalístico ano de 2020 nos exige observar com maior acuidade. Fato é que o Brasil precisa olhar para tudo isso de forma proativa e consequente. Da minha minúscula parte, as restrições e oportunidades colocadas pelas contingências da pandemia me legaram a prioridade de algumas tarefas inadiáveis para o ano vindouro, as quais, divido aqui com vocês: 1). Dar continuidade as atividades do grupo de pesquisa sobre Democracia, Igualdade Racial e Desenvolvimento junto com as/os parceiras/os de empreitada e o Núcleo de Pós-Graduação da Escola de Administração da UFBA; 2). Concluir o meu trabalho de Pós-Doutoramento, também no NPGA/EAUFBA, 3). Aprofundar a minha parceria acadêmica com o Departamento de Planejamento Urbano da Universidade da Califórnia em Los Angeles (UCLA) e, por último, mas não menos importante, 4). Avançar para a conclusão do meu terceiro livro que discutirá as causalidades entre as desigualdades raciais e o subdesenvolvimento brasileiro, a partir de uma abordagem crítica das políticas desenvolvimentistas nacionais implementadas desde os anos de 1950. É por conta de todas essas obrigações, inclusive, que este é o texto de despedida de minha coluna neste Política Livre. É com muito sentimento que me obrigo a “dar um tempo” do compromisso com a periodicidade – cada vez menos regular, diga-se de passagem – de produzir artigos para este espaço de debates que foi extremamente importante para as discussões que estabeleci, publicamente, nesses últimos seis anos. Ocorre que diferentemente do que dizia o poeta Renato Russo, o ano de 2020 nos demonstrou que NÃO “temos todo o tempo do mundo”. Ao contrário, como também nos ensinou Mãe Stella de Oxóssi, O Nosso Tempo é Agora! Portanto, é preciso cada vez mais buscar fazer menos coisas de cada vez, para que o bem viver também faça parte da nossa agenda cotidiana, pessoal e familiar, naturalmente. Mas tudo é graça! Foi do conjunto de artigos produzidos para este Politica Livre que nasceu meu primeiro livro “solo” em 2017: Política, Economia e Questões Raciais – a conjuntura e os pontos fora da curva 2014 a 2016. Fosse apenas por isso, já teria valido muito a pena a minha colaboração com o site, assim, não há palavras para agradecer a toda sua equipe, especialmente, ao amigo e editor Raul Monteiro que nessa metade de década + 1 ano, se mostrou alguém que muito contribuiu para o debate e a divulgação de minhas ideias e opiniões. A ele e a sua esposa Andrea Monteiro, fica aqui a minha mais sincera gratidão e o registro de que apesar da ausência rotineira neste Política Livre, nossas oportunidades de trabalho e interação conjuntas continuarão firmes e fortes. Para os meus leitores, estarei sempre disponível e interagindo com vocês nas minhas redes sociais. Me sigam! Feliz 2021! Tá tudo certo! Axé!

30/12/2020 às 11:24

As desigualdades raciais são categóricas e duradouras, estúpido!

Talvez o maior erro de avaliação para usos e formas de se tentar aplicar o termo “novo normal” para qualificar as diversas facetas da atual conjuntura socioeconômica e político-institucional mundial, é imaginar que as transformações em curso estão surgindo e/ou sendo mais evidenciadas, tão somente, em virtude dos efeitos deletérios causados pela disseminação da covid-19. A crise sanitária causada pelo coronavirus, apesar de seu ineditismo, sua dimensão e sua criticidade, tem sido apenas o elemento catalizador de um conjunto mudanças que vem ocorrendo mais acentuadamente nas últimas duas décadas, particularmente, no campo das tecnologias de informação e comunicação, as quais, tem sido - e por muito tempo ainda serão - as condições necessárias para se chegar a algo verdadeiramente novo nas relações sociais de produção e de consumo tal qual as conhecemos. As tão atualmente populares Amazon, Netflix e Google, por exemplo, estão por aí desde dos anos de 1990.

Fato é que, do ponto de vista das desigualdades raciais, frise-se, mesmo com todo o avanço tecnológico, o que se mantém incontroverso é que o racismo nstitucionalizado continua estruturando a produção, o consumo e, neste momento muito particular, determinando a possibilidade de sobrevivência (ou não) dos mais vulneráveis; quer seja pela histórica inadequação das condições sanitárias em que vivem; quer seja pela dificuldade no acesso a um serviço de saúde eficaz, mesmo em países com robustos e consolidados sistemas públicos como é o caso do Brasil e o seu Sistema Único (SUS). Assim, não me parece ser o mais produtivo apostar nas discussões pouco substanciais que vem sendo travadas entre “novos normalistas festivos” e “zangados negacionistas do novo normal”, uma vez que qualquer ideia mais elaborada ao redor da
possibilidade de existência de novos padrões econômicos, institucionais e sócio comportamentais trazidas à baila por conta da pandemia, exige-se admitir, a priori, que tais fenômenos são resultantes de um continuum nas relações sociais de produção que já estavam presentes no cotidiano das pessoas; impregnando, formatando e ressignificando o seu modo de vida, de trabalho e de conexão político-institucional, independentemente de sua própria vontade, consciência pessoal ou
da sua coletividade mais próxima.

Logo, a questão mais importante é saber quais as ações corretivas mais eficazes que ainda são passiveis de serem operadas “à montante e a jusante” dos marcos da crise do covid-19, à medida que as mudanças mais explicitas e exacerbadas por conta dela, além de não serem novidades de fato, trazem elementos para tornar ainda mais evidente que a ocorrência de todo esse complexo processo de transformação, numa sociedade estruturalmente racista não gera ganhos econômicos mais equitativos, per se. No caso brasileiro, em particular, o que a atual conjuntura crítica tem salientado, ainda mais, é aquilo que tem sido pautado pelo movimento negro nacional nos debates e nos embates em prol da implementação de políticas públicas de promoção da igualdade, desde sempre, é o fato da desigualdade no Brasil ter raça, cor, gênero e lugar de moradia. O diferencial de momento é que todo o mundo globalizado está tendo conhecimento e consciência, em tempo real, que o país que sai do escravismo há mais de 130 anos, chega a posição de décima economia do mundo, é o território geopoliticamente mais importante da América do Sul, membro dos BRICS e relevante player econômico mundial, se mantém, praticamente como antes da abolição, como sendo o caso mais emblemático de desigualdades raciais do planeta.

A rigor, se estabelecermos uma linha de tempo considerando os grandes marcos institucionais de planejamento do Estado para organizar e gerir o sistema produtivo nacional no sentido de uma suposta melhoria do bem estar geral do país, tais como: i) a Mensagem Programática do segundo Governo Vargas de 1951; ii) as intervenções do Governo JK, especialmente na região mais pobre e negra do país, o Nordeste (Sudene); o II Plano Nacional de Desenvolvimento (II PND), cara referência de planejamento público da era dos governos militares; iv) a fase da exitosa política de estabilização monetária de FHC, após a década perdida de 1980 e v) o maior período de
crescimento econômico com redução da pobreza e distribuição de renda da longeva gestão petista de Lula/Dilma (2003-2015), chegamos a uma desconcertante constatação de que nem as desigualdades socioeconômicas e muito menos as históricas disparidades entre negros e brancos, experimentaram mudanças verdadeiramente sustentáveis em nosso país, a ponto de alterar significativamente a realidade material e político-institucional da maioria da população brasileira que hoje é formada por 56% de descendentes dos negros africanos que foram escravizados por mais de 350 longos e ininterruptos anos.

Ou seja, independente de períodos de normalidade ou de novas normalidades econômicas e políticas, experimentadas durante um espaço-tempo de mais dois terços de todo um século, se contarmos de 1950, é legitimo afirmar que tudo que foi feito pelas elites dirigentes brasileiras, independente da matriz ideológica e do conteúdo das agendas institucionais implementadas em seus respectivos momentos de exercício de poder governamental, não tiveram o êxito necessário para alterar a dura realidade que persegue a história do nosso país, qual seja, o Brasil, desde sua inauguração enquanto um território ocidental peculiar, é orientado por fundamentos de desigualdades raciais que se estabeleceram como elementos estruturantes da sua formação política, econômica e institucional e a característica central que tem presidido e dirigido a construção do ethos e do pathos de sua sociedade. O caso da morte do menino Miguel Otávio, em Recife, é emblemático de todo esse processo porque torna evidente que nada do que foi feito até aqui, em termos de políticas públicas de promoção da igualdade, poderia tê-lo salvado do exercício mais objetivo do racismo estrutural brasileiro que, ao fim e ao cabo, tem sido formatado a partir de territórios muito bem protegidos ao redor da elite branca nacional, quais sejam, “bunkers” residenciais, “redomas” políticas organizacionais e “senadinhos” institucionais e acadêmicos.

Esta é a pedra angular dos problemas brasileiros e, a nosso ver, tem sido o obstáculo primordial e impeditivo de superação de nossa realidade socioeconômica, a despeito de todas as tentativas de mudanças estruturais positivas no processo de desenvolvimento de nosso pais. Por isso, não diagnosticar de maneira correta e não compreender profundamente essa estranha “marca de nascença” que vem se perpetuando na formação histórica de nosso país é legar às gerações vindouras passar mais quinhentos anos fantasiando a possibilidade de existência de “um país do futuro” que, em verdade, jamais chegará. Esta é a única síntese possível que um olhar não
doutrinado pelas narrativas que tem hegemonizados os debates sobre o tema, à esquerda, ao centro e à direita dos espectros político, econômico e acadêmico tem insistido em nos ofertar. Obviamente, que muito tem sido dito, muito tem sido feito e muito tem sido até corretamente problematizado, contudo, a realidade concreta de fins de agosto de 2020, momento em que finalizo esse texto, é que o Brasil possui mais de 3,7 milhões de infectados pela covid-19, com cerca de 120 mil mortos, dos
quais, a sua ampla maioria é formada por homens e mulheres negros e pobres. Nada muito distinto do que vem acontecendo com o povo negro deste país desde o século XVI, mesmo porque, a elite sempre é prodiga em defender que “todas mudanças são muito bem-vindas, desde que as coisas fiquem da mesma forma que historicamente tem sido para a manutenção de seus próprios privilégios”.

Por isso, a minha colaboração neste breve arrazoado é trazer outros olhares epistemológicos que possam agregar ainda mais valor à miríade de construções já elaboradas e em elaboração, para ajudar na estruturação e direcionamento de pesquisas e intervenções institucionais, posto que, ao meu ver, estamos longe de totalizar explicações e entendimentos das muitas peculiaridades do racismo brasileiro e, por isso, ainda não temos todos os instrumentos suficientes para o manejo mais eficaz das situações e problemas a ele contingente. Neste contexto, a problematização apresentada por Charles Tilly em seus trabalhos sobre as noções de desigualdades categóricas e duradouras me parece alvissareira porque ele busca responder, de forma cirúrgica, “os porquês e as consequências do fato de desigualdades sistemáticas e persistentes na vida das pessoas em geral distinguirem membros de diferentes categorias socialmente definidas”, no tempo e no espaço. Grosso modo, sua abordagem aponta para a possibilidade de tratarmos de forma substancial as diversas maneiras de como o desigualdade estrutural opera por sobre processos mais concretos e passíveis de observações empíricas mais palpáveis como aqueles que se desdobram dentro das organizações, instituições e no cotidiano das pessoas, e quais são os mecanismos de reprodução intertemporal, intergeracional e espacial em que isso ocorre, a partir de três preocupações básicas:

i) entender e problematizar aquilo que ele classifica de desigualdades duradouras, isto é, aquelas desigualdades que duram de uma interação social para seguinte, com atenção especial às que persistem por carreiras, vidas e histórias organizacionais inteiras; ii) apontar para a necessidade de se observar pares distintamente bem delimitados, como mulheres/homens, aristocratas/plebeus, cidadãos/estrangeiros e classificações mais complexas baseadas na afiliação religiosa, origem étnica
e racial; iii) Dar atenção especial a categorias limitadas e os pares categóricos, porque fornecem evidências mais claras sobre a operação da desigualdade duradoura em contextos organizacionais e institucionais porque as diferenças categóricas são responsáveis por muito do que os observadores comuns consideram como resultado de variação no talento ou esforço individual. Considerando tais questões, acredito caber-nos profundamente refletir que se os sistemas produtivos hegemônicos que conhecemos já trazem as desigualdades como elementos fundante, a tarefa mais importante a se trabalhar daqui em diante é como continuar a combater de forma mais eficaz e mais efetiva as desigualdades socioeconômicas geradas pelo racismo que estruturou e estrutura as relações sociais no Brasil há 500 anos e que, agora, catalisado pela conjuntura pandêmica, também se reinventa e se ressignifica, tal como o próprio coronavirus que, para continuar a se disseminar, precisa realizar mutações eficientes para não matar todos os seus hospedeiros de uma só vez.

Metaforicamente, inclusive, o coronavirus parece emular o comportamento da elite branca dominante de nosso país que mesmo após mais de 130 de anos de república e do fim do escravismo, se mantem desfrutando dos mesmos privilégios de sempre, em nome dos quais, concorreu para deformar nossa inteira sociedade, através da conformação de desigualdades raciais tão perversamente substantivas e sofisticadas, que correções significativas tem sido de difíceis execuções político institucionais, mesmo em períodos de estabilidade econômica e de exercício de arranjos institucionais supostamente democráticos e progressistas tal como pôde ser verificado nos interregnos democráticos de nossa história e, mais recentemente, pelas iniciativas postas em prática a partir da Carta Magna de 1988. Assim, mesmo não tendo a intenção de ser tão hardcore como foi James Carville, estrategista de Bill Clinton quando cunhou, em 1992, o seu famoso marketing-mantra “É a economia, estúpido! ”, frase política que restou por simbolizar a derrota de George Bush nas eleições americanas daquele ano, tomo por empréstimo essa ideia força para chamar o máximo de atenção possível sobre dois aspectos que não pode ficar de fora de todo esse debate em torno do “novo normal”, qual sejam, as desigualdades raciais são categóricas e duradouras, estúpido!

03/09/2020 às 13:33

A primavera americana: uma lição de democracia e luta pela igualdade racial

Os ventos que tem soprado dos EUA, atual epicentro da epidemia da convid-19 e teatro de operação da maior insurreição antirracista mundial depois da que ocorreu após o assassinato de Martin Luther em 1968, impõe a nós brasileiros profundas reflexões. De fato, de muito já se é sabido que as desigualdades raciais têm sido variáveis determinantes da pobreza e do subdesenvolvimento da grande maioria dos países no mundo e, igualmente, de parcelas categóricas de grupos populacionais específicos nos países desenvolvidos. No emblemático caso brasileiro, por exemplo, os efeitos materiais e imateriais da relação “sinérgica” dessas duas dimensões da nossa progressão socioeconômica no tempo, são as manifestações mais evidentes e multifacetadas do racismo estrutural que tem caracterizado o ethos de nossa sociedade desde o século XVI, quando do início de sua existência formal sob a égide do escravismo. Assim, apesar dessa percepção ser de há muito tempo um ponto pacifico entre alguns estudiosos da Questão Negra e das Relações Raciais no Brasil, somente no ano de 2003 esse entendimento extrapolou as fronteiras do Pensamento Antirracista Brasileiro e da seara do conhecimento organicamente produzido no âmbito das instituições dos Movimentos Negros Nacionais e adentrou, de uma forma sistemática até então nunca experimentada, no nível estratégico do governo federal, através da criação da Secretaria Especial  e, posteriormente, Ministério de Promoção da Igualdade Racial (SEPPIR). A partir deste ministério, espraiou-se para os níveis subnacionais de governo diversos arranjos políticos e de gestão que, a despeito de estarem convergentes com parte significativa das demandas históricas do Movimento Negro, não conseguiram levar a cabo as suas próprias proposições, com a eficácia e a efetividade necessárias, para a superação ou mesmo a mitigação mais consequente dos efeitos deletérios do racismo e seus desdobramentos historicamente acumulados na forma de preconceitos, discriminações e intolerâncias institucionais, que, ao fim e ao cabo, são as fontes primárias das profundas desigualdades raciais no Brasil. Fato é que passados dezessete anos desse marco histórico da gestão pública nacional, constata-se de forma incontroversa, que além da ausência de mudanças profundas no nível mais amplo da gestão dos próprios governos que se propuseram a implementar tais políticas,  o combate as desvantagens sofridas pelos Negros no Brasil, nunca foi apenas uma questão de se ter ou não se ter vontade política, ou mesmo, a falta de instrumentos institucionais para atuar contra as diversas formas de manifestação concreta do racismo, mormente na ampliação da garantia de direitos e de igualdade de oportunidades. Constatou-se, na prática e amplamente, que há algo muito mais complexo no seio de nossa sociedade – o racismo estrutural - que impõe a desigualdade racial como algo inerente, persistente e sustentável às relações sociais no Brasil, mesmo considerando o inédito fato de termos conhecido uma das experiências mais exitosas de governos e de gestões públicas de base popular e democrática (2003 – 2015), período em que se verificou resultados socioeconômicos e políticos institucionais marcantes e melhoria na distribuição de renda nunca alcançado no país, desde a era Vargas. No entanto, enquanto as desigualdades socioeconômicas e as desvantagens nas condições materiais e imateriais de nosso país é qualitativa e quantitativamente perfeitamente perceptível no cotidiano de nossa sociedade, ao nível individual de cada pessoa, as teses do racismo estrutural enquanto tese explicativa causadora desses processos se mostra de forma abstrata para a grande maioria da população. Fora do âmbito dos movimentos negros, militantes e estudiosos, a associação entre os problemas socioeconômicos brasileiros e a o caráter particular das questões raciais a eles subjacentes não facilmente identificável pela maioria do nosso povo, mormente daquela parte que não entende como racismo os efeitos indiretos mais nocivos dos preconceitos e da discriminação sobre a sua condição de classe, de gênero, étnica e até mesmo geracional. Por isso, a desigualdade racial e o subdesenvolvimento brasileiro, são adicionalmente no Brasil, elementos catalisadores para o impedimento do exercício de um processo democrático, à medida que delineiam resultados muito diferenciados nas diversas comadas da população tornando o nosso modelo de democracia algo intermitente, episódico e inconcluso, posto a existência de uma democracia no seu sentido mais objetivo pressupõe um nível equânime de igualdade de oportunidades. Saliente-se por oportuno, que o momento atual não é o de fazer avaliações daquilo que não feito ou não pôde ser feito por parte das instituições que foram criadas para o combate ao racismo e promoção da igualdade nos últimos anos e, muito menos, uma tentativa de revisão do conteúdo programático de suas iniciativas, ou mesmo dos problemas inerentes aos governos que lhes patrocinaram. Essa digressão é tão somente para enfatizar que a despeito do acúmulo de conhecimento e proposições existentes -  desde sempre - oriundas do próprio movimento negro brasileiro; de toda uma literatura do pensamento antirracista nacional e de quinze anos ininterruptos de experiência na implementação de inéditos arranjos de políticas públicas de caráter afirmativo no Brasil, todo esse legado ainda não é condição suficiente para transformações igualitárias efetivas no país, do ponto de vista das desigualdades socioeconômicas e de raça. Ao contrário, a perversa institucionalidade do racismo em nosso país, com seus “sofisticados” efeitos detratores sobre os processos democráticos, as relações socioeconômicas, as gestões públicas e privadas e a formulação de políticas de desenvolvimento, tem levado a paulatina falência programática desses arranjos organizativos e, como corolário, ao enfraquecimento das organizações políticas negras que outrora, inclusive, eram o que lhes davam legitimidade política e direção. Obviamente que tudo isso é um recorte de um quadro mais geral e mais complexo, diretamente relacionado a profunda reorientação política nacional e internacional em direção a modelos cada vez mais conservadores da democracia liberal, ou mesmo, de experiências reacionárias de extrema direita, que vimos verificando no mundo mais fortemente nos últimos cinco anos e exacerbado, no Brasil, a partir de 2016. Nesse contexto, o que está sendo construído de forma veloz e já está pleno funcionamento por aqui é um poderoso círculo vicioso partindo da erradicação formal de estruturas institucionais de formulação de políticas de desenvolvimento, de garantia de direitos e de ações afirmativas se aprofundar o enfraquecimento organizativo das forças políticas democráticas, progressistas e antirracistas. Adicione-se a isso, o fato de que com o atual cenário de crise político-institucional e de descontrole da pandemia da convid-19, as consequências deletérias por sobre as estruturas de governos e do Estado serão provavelmente catastróficas, especialmente, para a População Negra, caso ações objetivas de curto, médio e longo prazos não sejam realizados com a efetividade e eficácia necessárias a interromper esse ciclo que vem se delineando mais fortemente no Brasil, nos últimos quatro anos. Mas como fazer isso? A sociedade dos EUA parece nos demonstrar um caminho através da erupção de uma verdadeira primavera americana em curso há mais de uma semana. Com efeito, as manifestações comunitárias cost to cost nas suas grandes cidades na radicalização da luta antirracista e por transformações estruturais em suas relações raciais, após o brutal assassinato de George Floyd, é um ponto de inflexão importante e, ao nosso ver, demarcador de que não só transformações profundas são necessárias, mas sobretudo, que se elas estão em curso apesar daquele país ter apenas 13% de população negra.  Isto é, porque eles e não nós, que temos uma população de afro-brasileiros de mais de 51%, ainda não estamos nas ruas por conta do histórico genocídio da juventude negra e da total (ir) responsabilidade do governo federal no tratamento da pandemia da covid-19 por sobre essa grande maioria populacional? Do lugar de onde observamos, acreditamos que a condição necessária para que mudanças qualitativas dessa natureza venham a acontecer de forma estrutural e sustentável em nosso país é necessário circunscrever nas lutas populares e democráticas a discussão de que as questões sobre as desigualdades raciais e o subdesenvolvimento são elementos centrais para exercício e funcionamento de uma democracia plena. Para além disto,, estamos também convencidos de que uma das formas mais objetivas e duradouras de colaborar para interrupção desse complexo processo de destruição que vem se abatendo por sobre as bases populares e democráticas de nossa sociedade, é a produção de conhecimento atualizada no campo da economia, gestão, políticas públicas, da sociologia econômica e na ciência política apropriada ao atual momento por que passa o mundo, a partir do acumulo existente nesses diversos campos de conhecimento, das ações coletivas acumuladas pelos diversos setores progressistas da nossa comunidade, para uma rápida e eficaz adequação de nossa população naquilo que muitos estão chamando de o  Novo Normal. Isto é, a emergência de um inédito ambiente socioeconômico e político institucional sob o qual deverá se desdobrar novas relações sociais, de produção e de consumo. Sendo assim, se não há mais como corrigir o mundo que existia em janeiro de 2020, posto que ele jamais voltará a ser o que era, a alternativa é avançar de forma resoluta sobre os principais desafios colocados pela emergência do Novo Normal à luz da primeira insurreição antirracista americana do século XXI que, ao fim e acabo, restou por tornar patente três questões recorrentemente historicamente apontadas pelo movimento negro brasileiro, desde sempre: i) A superação efetiva das desigualdades raciais é uma condição necessária ao alcance de um processo efetivo e sustentável de desenvolvimento socioeconômico e de exercício de uma democracia plena no Brasil; ii) Transformações marginais, pontuais e mesmo incrementais, no âmbito das relações raciais no Brasil, não são condições suficientes para provocar alterações estruturantes na economia, na gestão pública e privada, em prol do desenvolvimento e da evolução da nossa prática democrática e iii) Políticas públicas eficazes e efetivas de desenvolvimento exigem o aprofundamento de estudos e ações sistemáticas sobre as desigualdades raciais no sentido de reorientar epistemologicamente alguns campos particulares do saber, quais sejam, a economia, a gestão pública, os estudos organizacionais, a sociologia econômica e a ciência política. A comoção e os movimentos por George Floyd vão passar e os americanos vão retornar as suas vidas de primeiro mundo, talvez em outro patamar. A nós brasileiros, restará as lições aprendidas e a necessidade de fazermos a nossa parte, por nós mesmos.

08/06/2020 às 16:42

A primavera americana: uma lição de democracia e luta pela igualdade racial

Os ventos que tem soprado dos EUA, atual epicentro da epidemia da convid-19 e palco da maior insurreição antirracista mundial depois da ocorrida após o assassinato de Martin Luther, impõe a nós brasileiros profundas reflexões. De fato, é sabido que as desigualdades raciais têm sido variáveis determinantes do subdesenvolvimento e da desigualdade da grande maioria dos países no mundo. No emblemático caso brasileiro, por exemplo, os efeitos materiais e imateriais da relação “sinérgica” dessas duas dimensões da nossa progressão socioeconômica, são as manifestações mais evidentes e multifacetadas do racismo estrutural que tem caracterizado o ethos de nossa sociedade desde o século XVI, quando do início de sua existência formal sob a égide do escravismo. Apesar dessa percepção ser há muito tempo um ponto pacifico entre os legítimos estudiosos da Questão Negra e das Relações Raciais no Brasil, somente no ano de 2003 esse entendimento extrapolou as fronteiras do Pensamento Antirracista Brasileiro e da produção do conhecimento orgânica das instituições e de intelectuais dos Movimentos Negros Nacionais e adentrou no nível estratégico do governo federal, de uma forma sistemática até então nunca experimentada, através da criação da Secretaria Especial de Promoção da Igualdade Racial (SEPPIR). A partir da SEPPIR, espraiou-se para os níveis subnacionais de governo diversos arranjos políticos e de gestão que, a despeito de estarem convergentes com parte significativa das demandas históricas do Movimento Negro, não conseguiram levar a cabo as suas próprias proposições, com a eficácia e a efetividade necessárias, para a superação ou mesmo a mitigação mais consequente dos efeitos deletérios do racismo e seus desdobramentos historicamente acumulados na forma de preconceitos, discriminações e intolerâncias institucionais, que, ao fim e ao cabo, são as fontes primárias das profundas desigualdades raciais no Brasil. Fato é que passados dezessete anos desse marco histórico da gestão pública nacional, constata-se de forma incontroversa, que além da ausência de mudanças profundas no nível mais amplo da gestão dos próprios governos que se propuseram a implementar tais políticas, o combate as desvantagens sofridas pelos Negros no Brasil, nunca foi apenas uma questão de se ter ou não se ter vontade política, ou mesmo, a falta de instrumentos institucionais para atuar contra as diversas formas de manifestação concreta do racismo, mormente na ampliação da garantia de direitos e de igualdade de oportunidades. Constatou-se, na prática, que há algo muito mais complexo no seio de nossa sociedade – o racismo estrutural - que impõe a desigualdade racial como algo inerente, persistente e sustentável, mesmo considerando o inédito fato de termos conhecido uma das experiências mais exitosas de governos e de gestões públicas de base popular e democrática no Brasil (2003 – 2015), período em que se verificou resultados socioeconômicos e políticos institucionais marcantes e distribuição de renda nunca alcançado no país, desde a era Vargas. No entanto, enquanto as desigualdades socioeconômicas e as desvantagens nas condições materiais e imateriais de nosso país é qualitativa e quantitativamente perfeitamente identificável, no cotidiano de nossa sociedade, as teses explicativas do racismo estrutural como a sua principal causa se mostra de forma abstrata para a grande maioria da população, mormente daquela parcela que, ao não entender os efeitos indiretos mais nocivos dos preconceitos e da discriminação sobre a sua condição de classe, de gênero étnica e geracional. É diante deste contexto que também pode ser inferido que a desigualdade racial e o subdesenvolvimento brasileiro, podem ser vistos adicionalmente como elementos catalisadores para o impedimento do exercício de uma democracia plena em nosso país, à medida que delineiam resultados muito concretos e diferenciados nas diversas comadas da população o que, per se, torna o nosso modelo de democracia algo intermitente, episódico e inconcluso, posto que a rigor a existência de uma democracia no seu sentido mais objetivo pressupõe um nível de igualdade de oportunidades bastante definido. Incontroversamente, portanto, as desigualdades raciais e o subdesenvolvimento a elas associadas são robustos elementos explicativos para que os momentos democráticos do nosso país sejam constantemente ameaçados pela possibilidade da sua substituição por regimes autoritários, conservadores e reacionários, como ora vem sendo feito de maneira mais do que explícita pelo governo eleito em 2018, sem ainda se ter uma ração a altura da violência institucional que isso representa. Saliente-se por oportuno, que o momento atual não é o de fazer avaliações daquilo que não feito ou não pôde ser feito por parte das instituições que foram criadas para o combate ao racismo e promoção da igualdade nos últimos anos e, muito menos, uma tentativa de revisão do conteúdo programático de suas iniciativas, ou mesmo dos problemas inerentes aos governos que lhe patrocinaram. Essa digressão é tão somente para enfatizar que a despeito do acúmulo de conhecimento e proposições existentes - desde sempre - oriundas do próprio movimento negro brasileiro; de toda uma literatura do pensamento antirracista nacional e de quinze anos ininterruptos de experiência na implementação de inéditos arranjos de políticas públicas de caráter afirmativo no Brasil, todo esse legado ainda não é condição suficiente para transformações igualitárias efetivas no país, do ponto de vista das desigualdades socioeconômicas e de raça. Ao contrário, a perversa institucionalidade do racismo em nosso país, com seus “sofisticados” efeitos detratores sobre os processos democráticos, as relações socioeconômicas, as gestões públicas e privadas e a formulação de políticas de desenvolvimento, tem levado a paulatina falência programática desses arranjos organizativos e, como corolário, ao enfraquecimento das Organizações Políticas Negras que outrora, inclusive, eram o que lhes davam legitimidade política e direção, com importantes momentos de virtuosa relação de causa e efeito no combate aos racismo, ao preconceito e todas as formas de intolerância. Obviamente que tudo isso é um recorte de um quadro mais geral e mais complexo, diretamente relacionado a profunda reorientação política nacional e internacional em direção a modelos cada vez mais conservadores da democracia liberal, ou mesmo, de experiências reacionárias de extrema direita, que vimos verificando no mundo mais fortemente nos últimos cinco anos e exacerbado, no Brasil, a partir de 2016. Nesse contexto, o que está sendo construído de forma veloz e já está pleno funcionamento por aqui é um poderoso círculo vicioso partindo da erradicação formal de estruturas institucionais de formulação de políticas de desenvolvimento, de garantia de direitos e de ações afirmativas se aprofundar o enfraquecimento organizativo das forças políticas democráticas, progressistas e antirracistas. Adicione-se a isso, o fato de que com o atual cenário de crise político-institucional e de descontrole da pandemia da convid-19, as consequências deletérias por sobre as estruturas de governos e do Estado serão provavelmente catastróficas, especialmente, para a População Negra, caso ações objetivas de curto, médio e longo prazos não sejam realizados com a efetividade e eficácia necessárias a interromper esse ciclo que vem se delineando mais fortemente no Brasil, nos últimos quatro anos. Mas como fazer isso? A sociedade americana parece nos demonstrar um caminho através da erupção de uma verdadeira primavera americana em curso há mais de uma semana. Com efeito, as manifestações das comunidades das grandes cidades na radicalização da luta antirracista e por transformações estruturais em suas relações raciais, após o brutal assassinato de George Floyd, é um ponto de inflexão importante e, ao nosso ver, demarcador de que não só transformações profundas são necessárias, mas sobretudo, que se elas estão em curso num país com apenas 13% de população negra, a condição necessária para que tais mudanças venham a acontecer de forma estrutural e sustentável em nosso país é circunscrever as questões sobre as desigualdades raciais e o subdesenvolvimento como elementos endógenos ao exercício e funcionamento de uma democracia plena. Isto é, porque eles e não nós, que temos uma população de afro-brasileiros de mais de 51%, não estamos nas ruas por conta do histórico genocídio da juventude negra e da total (ir) responsabilidade do governo federal no tratamento da pandemia da covid-19 por sobre essa grande maioria populacional? Tentar responder a essa pergunta é, além de desconcertante, não é uma tarefa fácil. Entretanto, do lugar de onde observamos estamos convencidos de que uma das formas mais objetivas e duradouras de colaborar para interrupção desse complexo processo de destruição que vem se abatendo por sobre as bases populares e democráticas de nossa sociedade, é a produção de conhecimento atualizada no campo da economia, gestão, políticas públicas, da sociologia econômica e na ciência política apropriada ao atual momento por que passa o mundo, a partir do acumulo existente nesses diversos campos de conhecimento, das ações coletivas acumuladas pelos diversos setores progressistas da nossa comunidade, para uma adequação mais eficaz naquilo que muitos estão chamando de o Novo Normal, isto é, a emergência de um inédito ambiente socioeconômico e político institucional sob o qual deverá se desdobrar novas relações sociais, de produção e de consumo. Ou seja, se não há mais como corrigir o mundo que existia em janeiro de 2020, a alternativa é avançar de forma resoluta sobre os principais desafios colocados pela emergência deste Novo Normal e à luz da insurreição antirracista americana que, ao fim e acabo, restou por tornar patente três questões recorrentemente apontadas pelo movimento negro brasileiro, desde sempre: i) A superação efetiva das desigualdades raciais é uma condição necessária ao alcance de um processo efetivo e sustentável de desenvolvimento socioeconômico e de exercício de uma democracia plena no Brasil; ii) Transformações marginais, pontuais e mesmo incrementais, no âmbito das relações raciais no Brasil, não são condições suficientes para provocar alterações estruturantes na economia, na gestão pública e privada, em prol do desenvolvimento e da evolução da nossa prática democrática e iii). Políticas públicas eficazes e efetivas de desenvolvimento exigem o aprofundamento de estudos e ações sistemáticas sobre as desigualdades raciais no sentido de reorientar epistemologicamente alguns campos particulares do saber: a Economia, a Gestão Pública, os Estudos Organizacionais, a Sociologia Econômica e a Ciência Política.

04/06/2020 às 11:05

Mr. Keynes, o coronavírus e o posto ypiranga

O caso da COVID-19 deverá ficar para a história como uma das maiores lições aprendidas no campo da saúde pública, mas também, e de forma muito importante, para a seara das relações socioeconômicas e político institucionais em todo o mundo. A despeito de ter sido disseminada a partir de classes econômicas e de lugares mais abastados ao chegar no ocidente, o novo vírus deverá continuar infectando, adoecendo e matando pessoas de forma indiscriminada em termos de posição social e espaço geopolítico. Por exemplo, ainda não se tem a mínima ideia de como se dará o comportamento do vírus abaixo da linha do equador, no clima tropical e nas áreas pobres e favelizadas de países como o Brasil. Nos angustia imaginar qual será o efeito concreto da pandemia em nossas cidades, as quais são fortemente caracterizadas por uma monstruosa desigualdade de condições de vida e de acesso aos serviços de saúde e onde estima-se que 70% dos leitos mais apropriados para o tratamento da doença estão prioritariamente disponíveis para a rede de saúde suplementar (privada), que só atende historicamente apenas cerca de 25% da nossa população. Isto é, a despeito da sabida e comprovada efetividade do nosso Sistema Único de Saúde (SUS), a rapidez no espraiamento da doença em nível nacional, num território com as dimensões continentais como do nosso país – e de grande carência no simples acesso a água encanada em muitos lugares - pode ser uma situação crítica nunca experimentada pelo Sistema. Na prática, portanto, não serão apenas colocadas à prova as estruturas físicas e os recursos materiais disponibilizados à emergência pelo SUS, mas significativamente, a robustez do seu modelo de gestão para enfrentar esta crise peculiar, de forma eficaz, considerando tanto a crescente tensão interinstitucional originada a partir do Palácio do Planalto, quanto o fato de que muitas de nossas unidades federativas são maiores e mais populosas que alguns países que não têm conseguido enfrentar adequadamente a situação de pandemia. Fato é que o caráter pandêmico e a velocidade de propagação da morbimortalidade da COVID-19 têm exigido profundas transformações comportamentais em todo o mundo e vem impondo a necessidade de um verdadeiro “boot” na gestão de todo o sistema socioeconômico. Logo de cara, o “inimigo invisível” colocou em xeque algumas verdades absolutas que vinham sendo reiteradamente defendidas tanto em governos tidos como progressistas (subliminarmente) quanto em governos conservadores (agressivamente), como condição necessária para se chegar, de fato, a um processo de desenvolvimento econômico em nível global. Falamos, mais precisamente, sobre a fantasiosa e recorrente desejabilidade de aplicação de sucessivos superávits ficais - capital financeiro free, frise-se - via instrumentos macroeconômicos cada vez mais ortodoxos, como panaceia à eficiência do uso orçamento público e da gestão das moedas nacionais em prol do crescimento sustentado das economias. Isto é, o tsunami epidemiológico e sanitário causado pela COVID-19 também está jogando por terra a crença de que a administração dos fundamentos macroeconômicos de players mundiais como o Brasil pode ser feita por uma “gerentocracia” de formação técnica mediana, consumidora de soluções econômicas de prateleira importadas e sob a liderança de atores políticos medíocres, os quais nunca foram capazes da proposição e execução de ações estratégicas que pudessem, de fato, solucionar os efeitos deletérios da iniquidade estrutural de nosso país construídos sobre a égide de 350 anos de escravidão e 130 anos de políticas explícitas de exclusão social e racial. Ou seja, é a desigualdade no acesso a políticas públicas que deveriam ser por natureza universais em qualquer parte do mundo, como é o caso das de saúde, que tem sido o principal vetor para a perda de vidas humanas na atual crise pandêmica e não os efeitos do vírus em si. Não por acaso, no emblemático exemplo da Itália, um dos aspectos que tem chamado bastante atenção das autoridades sanitárias, para além da avançada média de idade de sua população, é baixa relação da disponibilidade de leitos de UTI por grupo de 10.000 habitantes, comparativamente a outros países desenvolvidos. Sendo assim, a despeito da enorme probabilidade de haver, também, uma tragédia anunciada para as camadas mais pobres da população brasileira – oxalá eu esteja errado – chega a ser irônico observar que a COVID-19 tenha acometido inicialmente os grupos sociais dos circuitos superiores da rica economia italiana pela conjunção de situações tão contraditórias como a longevidade de seus cidadãos e a indisponibilidade imediata de um elemento muito particular de seu sistema de saúde. Não obstante, tudo nos leva a crer que, em maior ou em menor grau, situações como esta têm se reproduzido em outros países da riquíssima zona do euro e, por isso, a propagação massificada da COVID-19 no ocidente tenha se dado a partir de hospedeiros acostumados a viajar nas classes executivas da ponte área China-Europa-EUA. Com efeito, foi esse caráter inicialmente “elitista” do vírus que fez a grande diferença para motivar a rápida atenção dos agentes políticos e econômicos mais relevantes a respeito dos efeitos da pandemia para o todo sistema socioeconômico, comparativamente a outros momentos de emergência sanitária mundial. Isto é, pela primeira vez na história recente de nosso planeta, riquíssimos territórios detentores de grande concentração de renda e, obviamente, lócus de iniquidades por excelência, não puderam isolar nos circuitos inferiores de suas respectivas sociedades – por menos representativos que esses espaços possam ser do ponto de vista econômico para eles - as consequências mais diretas e nefastas tanto do “democrático” surto epidemiológico, quanto das suas consequências recessivas por sobre as suas economias. De onde observamos, essa é a explicação principal para a frenética e crescente determinação de “shut downs” de metrópoles inteiras, senão países, e de isolamento social sem distinção de raça e classe – ao menos até agora – como forma mais eficaz de evitar a propagação da doença e os efeitos econômicos dela decorrente. Por isso também, a tour de force que os EUA e a União Europeia têm feito para mitigar os prováveis efeitos da pandemia sobre os fundamentos de suas economias, através da significativa ampliação da liquidez nos seus mercados, algo inimaginável até pouquíssimos dias atrás – frise-se. Para além disso, inédito acordo político entre republicanos e democratas americanos para a liberação de mais de dois trilhões de dólares para socorrer a sua economia, sugere inclusive, que o principal player mundial parece já ter percebido que tanto os ciclos de negócios, quanto os mercados de trabalho sob sua influência mais direta, já possuem um significativo lastro em plataformas digitais e de toda a sorte de soluções de TIC e IA que podem lhe estar sinalizando para a possibilidade que esta crise tenha como externalidade, no médio prazo, um profundo processo de reestruturação produtiva e, como corolário, uma provável mudança de patamar no nível de produtividade, na demanda por trabalho e na capacidade de oferta daquelas economias que melhor consigam se defender dos efeitos da COVID-19 em seus respectivos sistemas produtivos. Sendo assim, a pedra de toque para o enfrentamento estratégico desse momento unplugged de produção e consumo, não seria tão somente a garantia de empregos e ocupações nos setores mais tradicionais da economia real tal como a conhecemos hoje, mas sobretudo, a salvaguarda dos rendimentos e do consumo das famílias e da capacidade de investimento privado, especialmente das suas corporações globalizadas de base tecnológica ou grandes consumidoras/fornecedoras de novas tecnologias, de desenvolvimento de novos processos e de produção física e virtual de infraestrutura de ponta para as relações socioeconômicas e comportamentais requalificadas que devem emergir imediatamente no pós-crise. Isto é, o que nos parece muito importante em todo esse movimento dos governos das principais economias liberais é a sua proatividade na disponibilização “ex-ante” de um considerável montante de recursos financeiros, via políticas fiscais e monetárias expansionistas, para garantir ações estratégicas anticíclicas no sentido de se defender de uma recessão que se avizinha, mas também, se preparar para um desconhecido, mas muito provavelmente oportuno novo momento do sistema capitalista após as incertezas causadas pelo surgimento do coronavírus. A péssima notícia, para nós brasileiros, é que a dimensão desse debate é algo inimaginável para os policy makers de plantão e esse não parece que será o caminho a ser perseguido pelo Brasil, mais uma vez. O que vimos até agora, além da latente crise institucional que ronda a relação do governo central com os governos subnacionais quanto ao manejo da crise, é que os primeiros movimentos sobre a gestão macroeconômica vindos de Brasília, tanto por iniciativa do Executivo, quanto pelas proposições do Legislativo, têm sido na equivocada direção de aprofundar a redução de garantia de direitos e do rendimento médio dos trabalhadores públicos e privados; da ampliação do endividamento das famílias e do aprofundamento da limitação do poder discricionário do próprio Estado na gestão do orçamento público. Ou seja, pelo que se tem visto até o momento, será apenas um pouco mais do mesmo que vem sendo feito desde 2016 e se aprofundado a partir de 2019. No entanto, o protagonismo dos governadores e prefeitos das capitais no tratamento das consequências locais da COVID-19 e a rápida decisão pela aplicação das já citadas políticas anticíclicas - à la Mr. Keynes - que vem sendo largamente divulgadas pelos países desenvolvidos para enfrentar a crise, transformaram em pó, de maneira inexorável, toda a narrativa de sustentação da política econômica conservadora e da gestão ultra ortodoxa dos fundamentos da economia brasileira, ora em curso, pelo simples fato de que os manuais de ortodoxia que vem sendo utilizados não tem base de conhecimento, nem instrumentos macroeconômicos eficazes para enfrentar os iminentes e enormes desafios socioeconômicos que serão desdobrados a partir dos efeitos materiais e objetivos da pandemia do coronavírus. Sendo assim, pela velocidade da crise, logo, logo, só nos restará saber se ainda haverá algo de relevante para se encontrar no saco de farinha do “posto ypiranga”.

26/03/2020 às 15:53

A emenda pode sair pior do que o soneto!

A iminente decisão do Partido dos Trabalhadores em entregar a Policial Militar, Major Denice Santiago, a cabeça de chapa na disputa das eleições para a Prefeitura de Salvador é um movimento arriscadíssimo para o momento que vive a agremiação. A outsider e não petista, criadora e comandante da importante e respeitadíssima Ronda Maria da Penha é uma indicação direta do governador Rui Costa e a sua “petização”, está sendo construído de acordo com aquilo que alguns dos militantes da Estrela Vermelha entendem por ser a essência de sua democracia interna. Mas, há controvérsias... Nada se ouve, ou se reflete sobre o fato de que a “solução Major Denice” – mulher, negra, trabalhadora e da periferia - representa um verdadeiro “Aú” dado pela cúpula do partido que transmutou da defesa do nome de um homem branco, rico empresário e de sobrenome italiano para a Militar. Porque será? Fato é que a aposta agora é na Major Denice e dada a sua condição socioeconômica e étnica, boa parte dos setores do PT já estão abraçando a ideia de forma acrítica, num movimento açodado e extemporâneo, através de adesões naturais e “sobrenaturais”, numa velocidade impressionante. Do ponto de vista interno, nada disso é muito diferente de alguns comportamentos de manada que caracterizaram situações recentes no partido, a naturalização da discutível escolha de Dilma Roussef para conduzir o legado de Lula, político popular mais importante da história do país e que entregaria a sua sucessora, um governo aprovado por mais de 80% da população, é bom exemplo disto. O resultado, sabe-se hoje, com ou sem a narrativa de golpe, é que o governo Dilma não resistiu ao início de um segundo mandato conquistado nas urnas, a ferro, fogo e a tremenda força de Lula e do Partido dos Trabalhadores, mas sem a mínima sustentabilidade política. Após o seu impedimento, a presidenta, em si, passou a ser um “peso morto” justamente numa fase em cada militante era fundamental para fazer a diferença, num momento crucial de inflexão da chamada grande política no nosso país e os resultados deletérios de tudo isso estamos sofrendo até os dias de hoje e nada, absolutamente nada, nos garante que essa realidade, em nível nacional, será alterada no médio prazo. Essa pequena digressão se faz necessária para lembrar que antes da invenção de Dilma, havia no próprio PT figuras de mulheres politicamente muito mais preparadas, lideranças importantes, gestoras, testadas nas urnas e de indiscutível fidelidade ao PT e especialmente a Lula. Ou seja, ao criar Dilma Roussef, Lula e o PT simplesmente deixaram de considerar que Marta Suplicy, Marina Silva e Benedita da Silva, eram tanto mulheres, quanto gestoras como a recém petista ungida pelo presidente, mas que diversamente dela, essas três últimas já tinham exercido cargos eletivos das mais diversas ordens e suas respectivas lideranças dentro do PT foram construídas a partir de suas performances políticas e sociais, por anos e anos a fio, na base social do Partido dos Trabalhadores. Portanto, honestamente, o que há de se profundamente refletir é qual o valor político, gerencial e partidário que a “solução Major Denice” irá agregar a luta mais substantiva do PT e seus aliados de esquerda, no curto e médio prazo? Esta não é uma questão de retorica, e muito menos uma situação banal que possa ser facilmente justificada por qualquer narrativa, mesmo que seja elaborada ou reproduzida pelos doutrinados e disciplinados militantes de carteirinhas ou, o que melhor ilustra essa nova “fauna de revolucionários” da fase governamental dos partidos de esquerda, de crachaszinhos com brasões dos poderes executivo, legislativo e judiciário. Isto é, o que está levando, de fato, as pessoas que são responsáveis para presidir e dirigir o complexo debate sobre a disputa real de poder numa cidade como Salvador, a tomarem uma decisão tão heterodoxa, a essa altura de um momento político-eleitoral onde o adversário a ser batido já se encontra mais politicamente organizado e a braçadas de distância no corpo a corpo com a cidade? Recorrer ao sucesso e o simbolismo da Ronda Maria da Penha não é um argumento suficientemente robusto para toda essa empreitada. Especialmente, porque a mesma farda que tem feito da Major Denice um símbolo da luta das mulheres e dos direitos humanos na sua corporação e na sociedade, também tem inexoravelmente ilustrado aquilo que o movimento negro tem denunciado como braço institucional do genocídio da juventude negra por décadas, a exemplo do que foi brilhantemente discutido pela também pré-candidata do PT, Vilma Reis, em sua Dissertação de Mestrado “Atucaiados pelo Estado: As políticas de segurança pública implementadas nos bairros populares de Salvador”, corajosamente defendida na FFCH/UFBA, em 2005, ainda na época da “malvadeza” e dois longos anos antes da gestão de Jaques Wagner, frise-se. Ou, seriam as famosas pesquisas qualitativas, citadas aqui e ali como motivo mais imediato para uma manobra tão arriscada? Pessoalmente, tenho grandes dificuldades em acreditar nesses dispositivos como ponto de decisão estratégica de um agrupamento que possui toda a máquina do governo estadual e vários tipos de canetas azuis à disposição para “ erguer e destruir aquilo que mais lhes interessam”. Ademais, em se tratando da Bahia, essa narrativa não se sustenta por mais do que cinco segundos, após os discursos de quem quer seja. Com efeito, não custa lembrar que as vitorias de Jaques Wagner e do próprio Rui Costa em 2006 e 2014, respectivamente, são exemplos emblemáticos de que pelas bandas de cá, mesmo quando bastante torturados, os indicadores estatísticos da moda não costumam falar muito a verdade, mesmo quando lhe são forçadamente perguntados. Para além de tudo isso, há algo que considero muito mais grave. Percebe-se nitidamente que a intempestiva indicação da Major está também ancorada numa tentativa ávida de se apropriar da ideia força da Campanha Eu quero Ela da Bancada do Feijão que, exitosamente, reorientou os discursos políticos da campanha eleitoral de Salvador, daqui para frente. Ora, antes de se tentar forçar a barra com o nome da Policial Militar junto à Campanha, é preciso deixar explícito para além do PTverso, quais são os verdadeiros motivos para o descarte das legitimas pretensões de Vilma Reis e Fábya Reis pelo próprio PT e mesmo de Olivia Santana que, de longe, é a mulher negra do ambiente político institucional que possui além das credenciais de gênero e origem socioeconômica que todas as outras, ativos políticos, eleitorais e de gestão testados nas urnas e construídos em décadas de vida pública, situação que a Major, por exemplo, mesmo que seja exitosa ao fim de todo este processo, não disporá de tempo físico suficiente para alcançar o mesmo backgroud da Deputada comunista. Nesse contexto, e para o bem da verdade, o que deve ser ainda fortemente registrado é que o nome da Policial Militar Major Denice Santiago jamais foi sequer citado como uma possiblidade de seu enquadramento no perfil perseguido pela Campanha Eu Quero Ela. Mais do isto, até os chamados negros de direita e extremamente controversos para os debates das relações raciais no Brasil, como os de Irmão Lazaro e Pastor Sargento Isidorio, sempre foram lembrados no debate, mas não como uma opção a ser defendida pela campanha, e sim, sobretudo, como ameaças que oportunisticamente poderiam ser “jogados no colo” da Bancada de forma perigosa, ilegítima e acima de tudo, para se apropriar de um dos processos recentes mais exitosos luta política eleitoral do povo negro na cidade de Salvador. Isto é, para o bem ou para o mal, a novíssima quase-petista só está adentrando nesse jogo, aos 45 minutos do segundo tempo, por obra e graça do governador Rui Costa. Portanto, longe de desqualificar a criadora e comandante da importantíssima Ronda Maria da Penha, o ponto nevrálgico de todo esse debate é deixar publicizado que o espirito das resenhas das terças à noite no Pelourinho, no Restaurante de Dona Alaíde, nunca se permitiu a tutela de quaisquer pessoas ou movimentos que nos rememorem momentos pouco louváveis ou vergonhosos da história de nosso país e, sendo assim, associar uma solução política que interessa mais imediatamente apenas a organização política eleitoral do PT em 2020, de cima para baixo, pode representar um golpe de morte sobre uma iniciativa que está fazendo toda a diferença para a grande política nacional, exatamente por ser pluripartidária, socialmente diversificada e extremamente responsável do ponto de vista das relações raciais.

06/02/2020 às 20:36

Vovô do Ilê: A Bola da Vez

O convite do vice-prefeito Bruno Reis a Vovô do Ilê Aiyê para ser seu companheiro de chapa, nas eleições de 2020, à Prefeitura de Salvador, tem “causado” frisson nas hostes da oposição e especialmente em alguns setores dos movimentos negros ligados aos partidos da base de sustentação do governo do Estado. Desde palavras de profunda indignação ante a “heresia” do Presidente do Mais Belo dos Belos de, sequer, se reaproximar dos “carlistas brancos racistas”, até  manifestações muito características de verdadeiros processos de histeria coletiva, com palavras de ordem contra “a direita racista” e contra “os capitalistas racistas”, sob a frágil argumentação de que não há opção para a melhoria das condições de vida dos negros no Brasil fora daquelas que foram estruturadas a partir das teses de esquerda, mormente as políticas de promoção da igualdade que se hegemonizaram a partir dos governos do PT desde 2003 em nível federal e 2007, em nível estadual. Mesmo se abstrairmos o fato das políticas de ação afirmativa dos EUA – meca do liberalismo econômico e habitat preferencial das pessoas brancas de origem anglo-saxã – serem benchmark sobre este tema desde sempre, esses vaticínios sobre as relações raciais feitos por aqui, são tão enganosos quanto pueris. Um rápido olhar sobre a nossa história recente nos remete a situações emblemáticas que, tal como o cisne negro das lições de Popper, jogam por terra muitas das certezas que alguns estão a defender cegamente. Por exemplo, a Fundação Cultural Palmares, uma instituição basilar para as lutas antirracistas foi criada em 1988, no Governo do PMDB do oligarca José Sarney (ex-Arena, ex-PDS e produto da ditadura militar); o importantíssimo e emblemático GTI coordenado por Hélio Santos foi criado em 1995, no dia da Consciência Negra por FHC, algoz do PT em duas eleições consecutivas. E aqui na Bahia, o atual CDCN, apesar de ter sido criado em 1987, vinte anos antes da Sepromi e por uma liderança da esquerda raiz, Waldir Pires, só foi devidamente regulamentado em 1991 por ninguém mais, ninguém menos, do que Antônio Carlos Magalhães, o ACM, ou a essência do carlismo per se! Esses brevíssimos registros são tão somente para demonstrar que, para aqueles que imaginam que o mundo das políticas de promoção da igualdade racial no Brasil passou a existir, única e exclusivamente, a partir da implantação dos arranjos organizacionais do período recente de hegemonia dos governos de esquerda e de seus aliados; e que para além das ideologias que tem sustentado essas estruturas nada poderá ser construído em prol da luta antirracista em nosso país, é imperativo dizer que mesmo os importantes avanços ocorridos por dentro do aparelho de estado gerido por lideranças negras ou black-friendly do boom da era petista, não foram, não são e muito menos devem ser vistos como benesses por parte deste ou daquele que esteja com a caneta não mão, eventualmente. Muito pelo contrário, e até por princípio sociológico, tais deslocamentos políticos e institucionais são fundamentalmente o resultado da acumulação de forças e conquistas realizadas pela ampla luta histórica do Povo Negro, que se vem se desdobrando de forma contínua, a partir de   Palmares no século XVII, ao menos. Portanto, subordinar os debates raciais de conjuntura eleitoral a partir de categorias de análise, modelos mentais e entendimentos que fazem parte de todo um arcabouço epistemológico eurocêntrico ou eurocentralizado, é um equívoco muito grosseiro para tratar de uma cidade como Salvador do início da segunda década do século XXI. Por sua vez, frise-se, isto necessariamente não significa dizer que devemos empurrar o debate para o famoso “entre esquerda e direita, eu sou Negro”, como alguns importantes representantes da luta antirracista muitas vezes também se colocam, retoricamente. Resta, assim, ter claro que as transformações sociais que dizem respeito aos interesses do Povo Negro no nosso país não devem ficar subordinadas a dogmas e doutrinas político-partidárias e ideologizadas mecanicamente, a priori. As lições emanadas de do Quilombo de Palmares, da Revolta de Búzios e dos Malês resguardam tanto de profundidade e importância para a centralidade da superação das desigualdades raciais na nossa contemporaneidade, quanto de singularidade de cada um de seus propósitos, fundamentos e formas de enfrentamento ao racismo nos seus respectivos tempos e espaços e nós precisamos internalizar e atualizar esses ensinamentos mais substantivamente. Aliás, para aqueles que bebem do marxismo de fontes limpas e de maneira não vulgar, é sabido que toda síntese social pressupõe teses e antíteses que se digladiam evolutivamente em seus respectivos contextos históricos. Não seriam, portanto, o Brasil, a Bahia e a Roma Negra que ficariam imunes a processos tão complexos e de difíceis leituras como esses que hoje estamos a enfrentar. Ademais, no que diz respeito a história mais recente dos embates entre esquerda e direita em prol do pragmático exercício de poder naquilo que os brancos chamam de “a grande política” (sic), a hegemonia dos governos do próprio PT e seus aliados tem demonstrado uma miríade de contradições de forma assustadoramente cristalina e essas lições devem ser aprendidas e apreendidas pelos negros e negras que realmente desejam alcançar o poder no curto prazo. Por exemplo, o que pode ser dito do real significado da Carta ao Povo Brasileiro – supostamente idealizada pelo agora proscrito Antônio Palocci, para mediar a relação de um futuro governo do PT com a Banca Financeira nacional e internacional – assinada e publicizado por Lula em 22 de junho, às vésperas das eleições de 2002? Ou, mais objetivamente, quais foram as consequências estruturais para a “grande política” da esquerda devido a aliança estratégica feita pelos governos Lula/Dilma com o centrão, o PMDB de Michel Temer e as oligarquias regionais como as dos Sarneys no Maranhão e a dos Barbalhos no Pará, para garantir a estabilidade e a sustentabilidade de sua existência durante longos e interruptos dezesseis anos de gestão do governo federal? Trazendo essa discussão para o representativo caso da Bahia, como podemos enquadrar a vitoriosa estratégia de Jaques Wagner em 2006 em absorver no o seu campo de influência política e de parceria administrativa locais, os partidos e as lideranças de mais altas plumagens que foram históricos aliados de ACM para derrotar o próprio carlismo, governar por oito anos e tirar de seu bocapio a improvável eleição de Rui Costa? A questão é que o aprofundamento desse modelo heterodoxo de alianças parece estar tão exacerbado que não tem causado estranheza que alguns importantes representantes da base de apoio do governo petista jantam no Palácio do Planalto, almocem no Palácio de Ondina e, às vezes até, tenham feito o dejejum no Palácio Thomé de Souza, em menos de 24 horas! Sem desconsiderar que esses podem ser inexoráveis aspectos da Realpolitik tupiniquim e “bainiquim”, posto que a esquerda nunca teve tanto tempo no exercício de poder, essa digressão se faz extremamente necessária porque no que tange ao cerne dos debates sobre as relações raciais no Brasil e do lugar de onde as vejo, é nesse ambiente que deve ser circunscrito o simbólico episódio Bruno Reis vs Vovô do Ilê e ele não pode ser, tão somente, discutido sob o estigma de mais manifestação utilitarista da relação casas grandes e senzalas, tão características da política brasileira, à esquerda, à direita e ao centro. Vovô não foi “sondado” para ser companheiro de chapa de Bruno Reis para fazer uma espécie de   reloaded da versão original da trama ACM Neto-Célia sacramento, de 2012. Longe disto! Além das razões históricas e político-institucionais óbvias, da estatura pública e importância cultural de Antônio Carlos do Santos – Vovô do Ilê, o velho Líder Negro Carismático da Liberdade-Curuzu está sendo lembrando, pelo mais recente ungido do carlismo, por causa da ideia força da Campanha EU QUERO ELA, idealizada pelo próprio Vovô e exitosamente encapada pela BANCADA DO FEIJÃO que hoje dá o tom mais racialmente autônomo e politizado no debate eleitoral de Salvador. Por isso, independente da escolha política partidária ou ideológica daqueles que militam na luta antirracista, nós não podemos nos deixar cegar por uma “leucofobia” irracional que as vezes nos impede de nos situarmos no lugar mais adequado para fazermos a disputa política mais estratégica que é de nos colocarmos como sujeitos dos processos e, sempre, como atores políticos em quaisquer que sejam eles. No caso em questão, por exemplo, não podemos perder de vista que Bruno Reis é pré-candidato homologado por um prefeito dos mais bem avaliados do país por oito longos e consecutivos anos, num ambiente nacional e estadual que não lhe foi favorável na maior parte do tempo e que está, até o momento, no topo das intenções de voto para assumir o Palácio Thomé de Souza em 2021, inclusive, com maioria e hegemonia no Legislativo Municipal. Ou, parafraseando o jovem e recém-eleito Presidente Estadual do PT, “com a obrigação de ganhar as eleições” (sic). Por outro lado, rezam os fuxicos dos becos do Pelourinho, e alhures, que subjacente a esse suposto convite estaria sendo urdida uma estratégica tessitura para trazer para o ninho dos Democratas, o PDT, partido em que Vovô é filiado e que, sendo da base de sustentação do atual governo do Estado, levaria a uma fissura no atual arranjo com vistas a uma rearrumação política muito mais ampla do que a de Salvador com vistas a 2022, envolvendo, nada mais, nada menos, do que Ciro Gomes (de esquerda e com votos, registre-se), terceiro colocado nas eleições de 2018 e hoje, um arqui-inimigo nacional de Lula e do PT. Ou seja, nesses tempos tão estranhos onde a Revolução dos Bichos de George Orwell parece  ter um capítulo adicional sendo escrito aqui na Bahia, a partir da incompreensível escolha política que envolve a venda Escola Odorico Tavares, nada mais oportuno para um debate racialmente pedagógico que a direita que tem tido a gestão da cidade desde sempre e está, no momento, à frente das intenções de voto ter, ironicamente, lembrado do Presidente do Mais Belo dos Belos como opção para participar de uma maneira pró-ativa do processo eleitoral, enquanto muitas lideranças do campo progressista preferiram buscar uma fantasia mágica digna das aventuras de Harry Potter, atrasando por mais de um ano a sua própria tática eleitoral. Talvez ainda seja tempo de consertar isso. Basta dizer Eu quero Ela! (A Bola da Vez, Música do  Ilê Aiyê) “Eu quero saúde e estudar, viver contente Me formar, trabalhar, ter mais valor Secretário de estado, ser ministro Jornalista, engenheiro, senador Quero cotas iguais, não diferentes Quero ter meu direito aonde for Moradia decente pra essa gente No Brasil ver um negro presidente Ô ô essa reparação já passou da hora Não desisto, pois eu sou um negro quilombola Eles pensam que pode apagar nossa memória Mas a força do Ilê nos Conduz nessa trajetória Esse país aqui foi feito por nós Ninguém vai mudar, nem calar á nossa voz Direito de ir e voltar, cidadão Levante a bandeira do gueto negão A bola da vez Sou a voz, sou Ilê A bola da vez Sou a voz, sou Ilê A bola da vez Sou Ilê, bola da vez”

24/01/2020 às 16:06

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