Lucas Faillace Castelo Branco

Camaleões

07/10/2021 às 16:46

Atualizado em 07/10/2021 às 16:46

O brasileiro nunca foi lá de ter convicções firmes. Não sou eu quem o diz, basta consultar a história e a literatura para se comprovar a afirmação. Os indivíduos vão amoldando suas frágeis convicções à conveniência da hora. É como a frase do comediante Groucho Marx: “esses são meus princípios, se você não gostar eu tenho outros”.

João Ramalho, português que veio para o território brasileiro no século XVI, foi pioneiro nessa arte por estas bandas, a ponto de se tornar chefe de aldeia, em razão de sua aproximação com o cacique Tibiriçá.

Ele recebeu algumas índias como mulher, o que lhe conferiu diversas prerrogativas. Darcy Ribeiro refere essa prática indígena como cunhadismo, que era uma forma de os índios incorporarem estranhos à sua comunidade por meio de laços de parentescos. Isso possibilitou a miscigenação brasileira.

Ramalho se valeu dessa forma de relação e de seu poder adaptativo para arregimentar índios e explorar o território, além de atuar como intermediário dos portugueses perante os índios sob sua influência. Tratou-se de uma forma de sobrevivência social que se perpetuou.

Já no século XIX do Brasil independente era comum se mudar de partido de acordo com a direção para onde soprava o vento dos próprios interesses, sem muito apego à ideologia que o partido esposava. Hoje as coisas não são diferentes.

Essa capacidade de adaptação ou maleabilidade tem seu lado bom. Não é novidade que o brasileiro se adapta rapidamente a qualquer cultura, se dá bem com todos e não forma guetos, o que torna nosso povo desejável para alguns países desenvolvidos que querem importar mão-de-obra qualificada estrangeira.

Por outro lado, a falta de seriedade para com as convicções manifestadas torna a coerência do brasileiro tão consistente quanto uma bolha de sabão. Pior é quando ele resolve incorporar em sua forma de pensar ideologias bem definidas. A realidade o confronta a agir de forma contrária ao que a ideologia dita, e então o brasileiro age em contradição com a ideologia que crê adotar para se amoldar ao meio social cambiante, imprevisível e hostil.

Um tipo desses que tem me chamado a atenção nos últimos tempos é o tal conservador brasileiro. Ele louva a Deus e pode até frequentar a Igreja, mas tem de agir constantemente em contrário com o que Cristo prega. O que acaba importando para ele, a fim de não trair diretamente sua consciência, é a forma. Ele se benze na porta de cada Igreja e reza para que tudo (especialmente a próxima velhacaria) dê certo, sob a proteção de Deus.

Outra cafonice que não combina é a alegada defesa da família. Leia-se, distribuir benefícios aos parentes e lhes conferir proteção, perseguir os demais e pular a cerca nos intervalos.

Regra geral, nada do que prega o tal conservador brasileiro deve se levar a sério. Mas a crítica vale para qualquer perfil ideológico. Afinal, o brasileiro quer ter uma ideologia, mas precisa, antes de tudo, sobreviver à selva de pedras a que está submetido, como um camaleão.

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