Home
/
Noticias
/
Economia
/
Governo Lula afrouxou regra de socorro a estados sem respaldo técnico do Tesouro
Governo Lula afrouxou regra de socorro a estados sem respaldo técnico do Tesouro
Por Idiana Tomazelli, Folhpress
13/12/2025 às 16:45
Atualizado em 13/12/2025 às 19:33
Foto: Ricardo Stuckert/PR/Arquivo
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT)
O governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) afrouxou as regras do programa de socorro a estados sem ter o respaldo técnico do Tesouro Nacional, órgão vinculado ao Ministério da Fazenda e que é o responsável pela negociação e pelo acompanhamento das dívidas estaduais.
Um decreto publicado no início de outubro facilitou a adesão de São Paulo ao dispensar a maior parte dos estados de instituir um teto para seus gastos como contrapartida à redução na dívida com a União. Apenas aqueles que estão em programas de recuperação, como Rio de Janeiro, Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Goiás, precisarão cumprir a exigência.
Documentos obtidos pela Folha por meio da LAI (Lei de Acesso à Informação) mostram que o Tesouro não havia incluído esse dispositivo na minuta de decreto de regulamentação do chamado Propag (Programa de Pleno Pagamento de Dívidas dos Estados), nem mencionou a necessidade de mudança nas notas técnicas emitidas pelas áreas.
Nos bastidores, técnicos do órgão manifestaram contrariedade com a flexibilização, incluída posteriormente no ato assinado por Lula e pelo ministro Fernando Haddad (Fazenda).
Procurado, o Ministério da Fazenda informou que a alteração "não se deu a pedido" do órgão. "Uma vez estando a minuta de decreto na Casa Civil, a questão foi levada à avaliação da AGU [Advocacia-Geral da União], de onde veio a definição da redação", afirmou, em nota.
Procurados, Casa Civil e AGU não se manifestaram.
A derrubada da exigência do teto de gastos favorece a adesão de todos os demais estados que não estão em programas de recuperação, mas o caso de São Paulo é o mais emblemático por se tratar do maior devedor da União, com um estoque de R$ 288,6 bilhões (posição de dezembro de 2024). Além disso, o estado é comandado por Tarcísio de Freitas (Republicanos), rival político do Palácio do Planalto.
Facilitar seu ingresso levará a União a abrir mão de bilhões em receitas financeiras nos próximos anos, com impacto no endividamento do país. Essa seria mais uma razão para o Tesouro Nacional ser ouvido a respeito do tema, o que não aconteceu.
Simulações feitas pelo próprio Tesouro no início do ano mostram que São Paulo poderia deixar de pagar à União entre R$ 7,8 bilhões e R$ 13,1 bilhões só em 2026. São recursos que ficarão no caixa do estado e que poderão ser usados para investimentos e outras despesas em ano eleitoral.
Nos anos seguintes, esse alívio tende a ser ainda maior. No cenário mais benevolente, com juro real zero, o estado deixaria de repassar ao governo federal R$ 412 bilhões até 2047, de acordo com as estimativas preliminares.
Por outro lado, a adesão de São Paulo também dará tração ao FEF (Fundo de Equalização Federativa), criado para redistribuir parte dos valores aos estados menos endividados. As maiores contribuições virão de quem tiver o alívio mais significativo em sua dívida com a União.
Por isso, o ingresso de São Paulo é decisivo para irrigar o novo fundo, que deve ter como principal beneficiário o estado da Bahia, reduto do ministro Rui Costa (Casa Civil). O órgão também não se manifestou sobre esse ponto.
Tanto a lei complementar do Propag quanto a primeira versão do decreto preveem que Poderes e órgãos dos estados beneficiados "com qualquer tipo de suspensão, postergação ou redução extraordinária de pagamento de dívida com a União" seriam obrigados a adotar o limite de gastos.
Pela redação, isso incluiria não só estados em dificuldades e que estão no RRF (Regime de Recuperação Fiscal), mas também aqueles que renegociaram suas dívidas com base em leis de 1993, 1997 e 2016. Isso alcança 25 das 27 unidades da federação, incluindo São Paulo e estados do Nordeste.
Tal entendimento foi, inclusive, corroborado em decisão monocrática do ministro Gilmar Mendes, do STF (Supremo Tribunal Federal), no mês de setembro.
Em uma ação apresentada pelo estado do Ceará, que questionava a necessidade de adotar o limite de gastos para aderir ao programa, o ministro afirmou que a lei do Propag "não menciona o grau de endividamento ou a vinculação a determinado regime jurídico-fiscal, mas sim a existência de 'qualquer tipo' de postergação, suspensão ou redução extraordinária" para exigir a contrapartida.
Apesar da incomum vitória da União em batalhas judiciais contra estados envolvendo temas fiscais, o governo federal decidiu flexibilizar a exigência, contrariando a posição de técnicos das áreas econômica e jurídica do Executivo.
Após o decreto, o governo ainda sofreu uma derrota no Congresso Nacional que, na visão de técnicos, afrouxou ainda mais as regras do Propag.
Os parlamentares restabeleceram a possibilidade de usar o FNDR (Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional), criado na reforma tributária, para abater parte da dívida com a União.
Estados que conseguem abater 20% do saldo devedor têm acesso à condição mais generosa do programa, com redução dos juros a zero e menor obrigação de pagamentos ao FEF. Ou seja, o alívio é maior nessas condições.
O artigo era central para o Rio de Janeiro, que não possui muitos ativos para entregar ao governo federal em troca da redução da dívida. Mas São Paulo também demonstrou, no passado, interesse no uso do FNDR para aderir ao Propag pelas melhores condições.
O secretário de Fazenda de São Paulo, Samuel Kinoshita, disse, em nota, que "o Propag reúne mecanismos que podem contribuir para um melhor equacionamento de obrigações e créditos" e citou a possibilidade de um "adequado encontro de contas". Ele não disse se São Paulo vai aderir ao programa, embora tenha feito indicativos nesse sentido.
"Após a recente autorização legislativa, o estado está em fase de análise técnica e de modelagem deste componente específico dentro do seu conjunto de iniciativas voltadas à transformação econômica", afirmou.
Segundo ele, os efeitos esperados "são relevantes para a sustentabilidade fiscal de médio prazo", mas evitou estimar valores, uma vez que eles dependerão das opções de adesão a serem escolhidas pela administração paulista.
