8 de dezembro de 2025
Artigos do Colunista
Adriano Peixoto
Adriano de Lemos Alves Peixoto é PHD, administrador e psicólogo, mestre em Administração pela UFBA e Doutor em Psicologia pelo Instituto de Psicologia do Trabalho da Universidade de Sheffiel (Inglaterra). Atualmente é pesquisador de pós-doutorado associado ao Instituto de Psicologia da UFBA e escreve para o Política Livre às quintas-feiras.
Horário
Sempre achei curioso o habito nacional de não cumprir horário. Marcamos compromissos já contando que uma porção significativa dos participantes não estará presente na hora que foi determinada para o inicio da atividade e assim, damos um tolerância para os atrasados. Aliás, em alguns lugares a regra de etiqueta parece ser a de favorecer, esperar pelos que se atrasam. Noiva atrasa, reuniões atrasam. Em muitos serviços públicos e privados horário marcado é uma, referência. A coisa acontece mais ou menos por volta de... Em aulas da universidade acontece um fenômeno curiosíssimo. Se a aula esta marcada para começar às oito, parte dos alunos somente se fará presente às 8:30...Culpa do trânsito, do ônibus, da festa de largo, do cachorro do vizinho, do gato de estimação que ficou doente, da distancia de casa ate a universidade. Diante dessas dificuldades, o horário é ajustado para 8:30 resolvendo, em tese, as barreiras existentes. Mas para supresa dos que acreditam em gnomos, os atrasos persistem na mesma proporção do horário original com as mesmas desculpas. Em reuniões a dinâmica é mais ou menos a mesma: vamos esperar pelos atrasados.Só mais quinze ou vinte minutos e começamos.... Em alguma lojas com serviço de entrega a domicílio a dificuldade de marcar e cumprir horário chega ao extremo. ˜Seu móvel será entregue na quarta feira˜. Tem alguma previsão de hora? Em horário comercial.....Previsão de turno, pelo menos? Sr., não temos como prever, será entregue em horário comercial....Mas eu moro sozinho e trabalho. Não posso passar o dia todo em casa esperando por algo que não sei que horas chegará....!!!! Será entregue em horário comercial.... E noiva em casamento? Igreja quente, barulhenta, horários inconvenientes...E cadê a noiva? Está atrasada porque demorou para se arrumar. Mas como isso é possível? O casamento é às 20h e a noiva está no salão desde às oito da manhã....Mas hoje é o dia dela e devemos todos ficar plantados esperando que a princesa dar o ar da sua graça. Bem, como de costume, não descarto o fato de que estou ficando rabugento ou intolerante. Ou ambos. Ou talvez já o seja e não tenha me dado conta disso. Mas na minha opinião todas essas situações se configuram como comportamentos de absoluto desrespeito que só acontecem porque são acolhidos pela sociedade, mas que, de fato, não deveriam ser aceitos e muito menos incentivados. O atraso como fortuito, como acaso, acontece e nem sempre pode ser evitado. Entretanto, não é esse o caso do atraso como padrão decorre de falta de planejamento, educação e respeito. Quando aceitamos adiar o inicio de uma reunião por 15-20 minutos enquanto esperamos os atrasados, estamos dizendo aos que chegaram na hora marcada que eles não são importantes e que seu esforço de se fazerem presentes como combinado de nada vale. Os que se atrasam acabam sendo beneficiados, não perdem informações ou a reunião é interrompida para que eles sejam atualizados recebendo, dessa forma, incentivos que aumentam a probabilidade de que esse padrão de comportamento será mantido em outras ocasiões. A noiva que sai para o salão de manhã e que de noite não está pronta, só encontra igreja cheia porque o padre aceita ficar plantado e porque os súditos não podem contrariar a realeza, ainda que estejam todos reclamando da falta de respeito. A linguagem, o comportamento e a encenação parecem expressar uma saudade atávica de uma sociedade imperial, altamente estratificada e hierarquizada, onde o poder se manifesta no fazer o outro esperar. O curioso é que nas situações onde impera a lei como regra para todos estes comportamentos tem mais dificuldade de prosperar. O exercício do poder como controle do tempo tem expressão mínima, uma vez que nada justifica o atraso sistemático. Horário é para ser cumprido
10/04/2017 às 08:00
Teorias da Conspiração
O avião que conduzia o ministro Teori nem bem havia afundado nas águas de Paraty e a internet já havia sido inundada por diversas versões sobre o acidente, quase todas apontando para um atentado com o objetivo de barrar as investigações e as delações que estavam para ser homologadas. Tinha culpado para todos os gostos e correntes, além de inúmeros relatos sobre equipamentos de vigilância subtraídos, controladores de voo desaparecidos e por aí vai. As teorias da conspiração correram soltas! Agora com a Operação Carne Fraca, a internet volta a ser inundada com postagens afirmando que as cenas explícitas de corrupção que assistimos na verdade fazem parte de um plano dos ianques para nos subjugar, já que setores importantes da economia estão sendo atingidos. O que caracteriza uma Teoria da Conspiração? Pode-se dizer que elas se configuram como fenômeno cultural significativo que existe desde sempre, mas que tem sido embalado pela expansão das mídias sociais. As obras de Dan Brown são um exemplo de como essa ideia sobre forças poderosas atuando para influenciar os destinos captura a imaginação e ajuda a vender livros e filmes. Outros exemplos clássicos são as estórias em torno da área 51, em Roswell (EUA), que guardariam segredos alienígenas; e o atentado às Torres Gêmeas em 11/09/2001, que teria sido orquestrado pela CIA para justificar a guerra contra o terror. Assunto e exemplos não faltam! Da perspectiva da Psicologia, e de modo bastante sintético, as teorias da conspiração podem ser compreendidas como crenças explicativas sobre a ação conjunta de atores distintos, normalmente poderosos e atuando em segredo, com o objetivo de atingir algum objetivo ilegal ou malévolo! Posto com outras palavras, elas são uma forma de racionalização de um evento social complexo do mundo real para o qual não temos explicação. Não deixa de ser curioso observar que as teorias da conspiração são extremamente difíceis de serem afastadas, mesmo quando as evidências disponíveis apontam em direção contrária. É como se novas camadas de conspiração fossem acrescidas no topo das anteriores como forma de racionalização da crença a cada nova evidência de desconfirmação. Ainda que o conteúdo das teorias conspiratórias possa variar enormemente, o processo psicológico subjacente a essa crença é razoavelmente constante e tem sido associado ao desejo humano de produzir sentido sobre o mundo social. Essa necessidade está fortemente relacionada com extensão do controle percebido sobre o ambiente ou sobre a ordem social. Ou seja, quanto menor for a força das pessoas para influenciar o ambiente público e quanto menor for sua capacidade de ser ouvido sobre eventos sociais estressantes, maior será a crença em teorias da conspiração. Evidências empíricas sugerem que crenças conspiratórias também estão associadas a problemas de saúde, redução das virtudes cívicas, hostilidade e radicalização social. Isso ajuda a explicar porque as teorias da conspiração ganham força quando o evento social impactante é percebido como uma ameaça à vida e à ordem social que foge ao controle por parte dos cidadãos. Elas se constituem em um sistema de crenças autoalimentado. Uma crença conspiratória reforça a crença em outras ideias conspiratórias, de modo que uma pessoa que acredita em uma conspiração qualquer tem maior probabilidade de acreditar em outras teorias conspiratórias. Alguns estudiosos do tema chegam a afirmar que a natureza dessa forma de crença sugere um método sistemático de processamento de informação que conduz a essa visão de fenômenos ameaçadores da vida social como produto de forças do mal. Sendo as teorias da conspiração potencializadas por esta combinação de impotência social e internet, o futuro próximo não parece muito animador.
22/03/2017 às 08:30
Teorias da Conspiração
O avião que conduzia o ministro Teori nem bem havia afundado nas águas de Paraty e a internet já havia sido inundada por diversas versões sobre o acidente, quase todas apontando para um atentado com o objetivo de barrar as investigações e as delações que estavam para ser homologadas. Tinha culpado para todos os gostos e correntes, além de inúmeros relatos sobre equipamentos de vigilância subtraídos, controladores de voo desaparecidos e por aí vai. As teorias da conspiração correram soltas! Agora com a Operação Carne Fraca, a internet volta a ser inundada com postagens afirmando que as cenas explícitas de corrupção que assistimos na verdade fazem parte de um plano dos ianques para nos subjugar, já que setores importantes da economia estão sendo atingidos. O que caracteriza uma Teoria da Conspiração? Pode-se dizer que elas se configuram como fenômeno cultural significativo que existe desde sempre, mas que tem sido embalado pela expansão das mídias sociais. As obras de Dan Brown são um exemplo de como essa ideia sobre forças poderosas atuando para influenciar os destinos captura a imaginação e ajuda a vender livros e filmes. Outros exemplos clássicos são as estórias em torno da área 51, em Roswell (EUA), que guardariam segredos alienígenas; e o atentado às Torres Gêmeas em 11/09/2001, que teria sido orquestrado pela CIA para justificar a guerra contra o terror. Assunto e exemplos não faltam! Da perspectiva da Psicologia, e de modo bastante sintético, as teorias da conspiração podem ser compreendidas como crenças explicativas sobre a ação conjunta de atores distintos, normalmente poderosos e atuando em segredo, com o objetivo de atingir algum objetivo ilegal ou malévolo! Posto com outras palavras, elas são uma forma de racionalização de um evento social complexo do mundo real para o qual não temos explicação. Não deixa de ser curioso observar que as teorias da conspiração são extremamente difíceis de serem afastadas, mesmo quando as evidências disponíveis apontam em direção contrária. É como se novas camadas de conspiração fossem acrescidas no topo das anteriores como forma de racionalização da crença a cada nova evidência de desconfirmação. Ainda que o conteúdo das teorias conspiratórias possa variar enormemente, o processo psicológico subjacente a essa crença é razoavelmente constante e tem sido associado ao desejo humano de produzir sentido sobre o mundo social. Essa necessidade está fortemente relacionada com extensão do controle percebido sobre o ambiente ou sobre a ordem social. Ou seja, quanto menor for a força das pessoas para influenciar o ambiente público e quanto menor for sua capacidade de ser ouvido sobre eventos sociais estressantes, maior será a crença em teorias da conspiração. Evidências empíricas sugerem que crenças conspiratórias também estão associadas a problemas de saúde, redução das virtudes cívicas, hostilidade e radicalização social. Isso ajuda a explicar porque as teorias da conspiração ganham força quando o evento social impactante é percebido como uma ameaça à vida e à ordem social que foge ao controle por parte dos cidadãos. Elas se constituem em um sistema de crenças autoalimentado. Uma crença conspiratória reforça a crença em outras ideias conspiratórias, de modo que uma pessoa que acredita em uma conspiração qualquer tem maior probabilidade de acreditar em outras teorias conspiratórias. Alguns estudiosos do tema chegam a afirmar que a natureza dessa forma de crença sugere um método sistemático de processamento de informação que conduz a essa visão de fenômenos ameaçadores da vida social como produto de forças do mal. Sendo as teorias da conspiração potencializadas por esta combinação de impotência social e internet, o futuro próximo não parece muito animador.
20/03/2017 às 12:17
Gerações no Trabalho
Muito se tem falado sobre diferentes gerações convivendo lado a lado no ambiente de trabalho e dos conflitos que emergem em função das distintas características e expectativas de cada um desses grupos. O interesse no tema tem múltiplas origens: se de um lado temos a busca pelo melhor conjunto de competências que atendam aos interesses atuais e futuros da organização, o que em algum momento envolve o domínio de tecnologias digitais normalmente associadas aos mais jovens, do outro lado temos o aumento generalizado de expectativa de vida, o que tem levado as pessoas a permanecerem no trabalho até uma idade mais avançada. Muito da literatura gerencial sobre o tema se constrói sobre a ideia de que características e comportamentos deum grupo de trabalhadores podem ser derivados da sua idade. Assim, teríamos os Baby Boomers, que nascem no período que se segue à Segunda Guerra Mundial até meados dos anos sessenta e que seriam caracterizados como hard workers e mais tradicionalistas; temos a geração X, para os nascidos entre 1965 até o final do anos setenta, vistos como mais independentes e céticos, mas espremidos entre trabalhadores mais velho que não se aposentam e trabalhadores mais novos sobrevalorizados. No início dos anos 80 até os anos 2000 encontramos a geração Y, também conhecida como a geração do milênio. Suas características básicas seriam uma maior valorização da qualidade de vida no ambiente de trabalho e a busca por trabalhos em grupo, multitarefas sendo orientados a resultado. Essa é a primeira geração nascida dentro da tecnologia digital. E agora temos a geração Z, que nasce após os anos 2000 e que estão totalmente conectadas em tecnologias de comunicação e redes sociais, mas cujas principais características ainda não se encontram claramente definidas. É preciso ter em vista que essas classificações geracionais são, na verdade, generalizações e estereótipos utilizados como forma de compreensão de padrões e tendências gerais que não devem ser levadas muito a sério nem reforçadas. Isso significa que não é possível se utilizar dessas características gerais como forma de compreensão de casos específicos. Ou seja, o fato de você ter nascido na chamada geração Y, não quer dizer que você necessariamente terá as características e comportamentos que são apontadas para este grupo no ambiente de trabalho. Por outro lado, isso não significa que não existam tensões geracionais no ambiente de trabalho. Durante muito tempo a expectativa era a de que o chefe fosse mais velho, mais experiente, do que um subordinado. Essa não é mais a expectativa atual. Em ambientes intensivos de conhecimento e com elevado domínio de tecnologia é comum termos pessoas mais jovens em posições gerenciais com autoridade sobre trabalhadores mais velhos. Diferentes idades normalmente ancoram distintas expectativas em função de experiências e contexto educacionais diversos. Entretanto, isso não significa que a visão de um grupo específico seja necessariamente melhor ou superior em relação a outro grupo. É importante valorizar e estimular o relacionamento e as parcerias de trabalho entre pessoas com idades e visões de mundo distintas. Isso seguramente ampliará a criatividade e o leque de soluções disponíveis para a organização, ao mesmo tempo em que favorecerá a transmissão de conhecimento entre os diversos grupos com benefícios generalizados tanto para os trabalhadores quanto para a organização. Mas nesta quinta feira de carnaval isso tudo é bobagem. Ninguém está nem aí para isso...
23/02/2017 às 15:51
Gestão dos Afetos
Não há nenhuma duvida de que o objetivo primário de toda organização é o de atingir, ou mesmo superar, os resultados esperados, seja lá como for que eles são definidos. No campo da gestão essa importância se expressa na grande ênfase que se dá tanto na definição do seja desempenho, quanto nas formas de mensurá-lo. Para os não iniciados, esse pode parecer um debate escolástico, mas acreditem, não o é. O resultado financeiro de uma organização nos parece ser uma expressão bastante razoável e óbvia do que seja desempenho, mas essa clareza se dissipa quando voltamos nosso olhar para o trabalhador e fazemos a mesma pergunta: o que é desempenho? A definição mais comum aponta para comportamentos ou ações que impactam diretamente o processo de transformação de insumos e materias-primas em bens ou serviços. Ou posto de outra forma, desempenho é realizar aquilo para o qual você foi contratado para fazer. Entretanto, existe um aspecto do desempenho que recebe comparativamente pouca atenção, mas que a cada dia mais acredito que ele seja fundamental para realização dos objetivos organizacionais, independentemente do setor da economia e da atividade sendo realizada. É aquilo que chamamos de desempenho contextual, um conjunto de comportamentos discricionários do trabalhador, ele faz se quiser, ele não foi contratado ou é remunerado por isso, mas que contribuem para a criação e manutenção de um ambiente de trabalho mais agradável e saudável do ponto de vista social e psicológico. Ele se refere a coisas como tratar colegas com simpatia e atenção, ser educado na relação com os demais, demonstrar entusiasmo na realização de suas tarefas, seguir normas e regras de comportamento, ter espírito esportivo, levar as coisas na boa e com tranquilidade. Olhando de perto, estas dimensões do desempenho contextual tem seu foco principal no indivíduo. Elas podem ser utilizadas como insumo para guiar o processo de seleção ou de desenvolvimento de pessoas na organizacião, mas isso não responde à questão fundamental para todo gestor: como posso lidar com isso no meu dia a dia? Qual seria o caminho para construir e desenvolver um ambiente de trabalho que tenha tais caracerísitcas e que dessa forma impulsione o desempenho no trabalho? Creio que nessa hora é que entra em questão a gestão do afeto. Quando colocamos nossa atenção sobre o afeto no ambiente de trabalho, isso significa que prestamos atenção no link entre elementos internos do indivíduo, tais como cognições, emoções e estados mentais, e a forma como ele reage a eventos do ambiente de tabalho. A conclusão aqui é simples, somos serem emocionais e não apenas racionais como pressuposto da maioria das teorias tardicionais de gestão. Esse destaque ao afeto pode ser percebido de diversas formas como, por exemplo, na satisfação no trabalho, conceituado por alguns autores como uma reação afetiva a uma comparação feita pelo trabalhador entre o resulado obtido pelo seu trabalho e aquele desejado. Gerir afetos signifca cuidar das pessoas. Prestar atenção aos seus sentimentos, às suas idéias. Gerir afetos signifca ouvir a opinião do outro na reunião, signifca dar um feedback honesto e sincero sobre um trabalho realizado, signifca que as relações de trabalho não precisam ser de amizade, mas precisam ser humanas. Cuidar dos afetos signica solidariedade. Signifca que as trocas no trabalho não devem ser diretamente contabilizadas e pesadas onde só dou se tiver recebido exatamente o mesmo que dei. Gerir afetos signifca construir um ambiente de trabalho saudável, agradável. Gerir afetos significa que as competência de relacionamento interpessoal são as mais importantes para o gestor. Afinal, passamos boa parte de nossos dias no trabalho e aquilo que ai acontece impacta diretamente sobre nossas vidas, sobre a forma como nos relacionamos com outras pessoas e sobre a forma como desempenhamos nossas atividades de trabalho. Não estou dizendo que gerir afetos é algo simples, muito menos que sei como fazer isso. Contudo, a experiência vai mostrando que o caminho é por aí.
10/02/2017 às 09:14
Não adianta
Se 2016 foi o ano que insistia em não terminar, talvez 2017 venha a ser lembrado como o ano que já começou velho. Não que o anoitecer ou a alvorada por si mesmos tenham o condão de modificar a realidade concreta, mas o ano novo ainda costuma ser visto como um marco para uma mudança de ciclo. Nós meio que mantivemos os mesmos rituais característicos das sociedades agrárias que nos precederam e acreditamos na renovação periódica da vida social de forma análoga à renovação da vida dos ciclos naturais. Seguimos repetindo os mesmos comportamentos supersticiosos na esperança de que um dia os resultados sejam diferentes. Assim, 2017 começa gritando que nossos problemas não foram levados embora pelas águas do mar junto com as flores brancas no ano novo e nem foram lavados pelo perfume de lavanda... Não precisa muito esforço para percebermos os temas que nos afligem são os mesmos que estão postos desde sempre, sem que tenhamos sido capazes de produzir alternativas viáveis para sua superação. Há quanto tempo vivemos uma crise do modelo de segurança publica? Quem se lembra de quando começou a crise do nosso sistema político? Existe registro de algum momento no qual o transporte público tenha sido eficiente? E a crise da educação, oferecida como a mãe de todas as soluções para os problemas que nos atingem, quando ela começou? Mesmo quando respostas ou avanços são dados, eles acontecem em ritmo menor do que o de outros países em situação semelhante à nossa ou em magnitude inferior à de nossas necessidades. No início de dezembro a Organização para Cooperação Econômica e Desenvolvimento (OECD) divulgou o resultado do mais recente período de avaliação do PISA (2015), acrônimo em inglês para seu programa internacional para avaliação de estudantes. Os resultados representam o desempenho de 29 milhões de estudantes, de quinze anos de idade, oriundos de 72 países diferentes, nas áreas de ciências, leitura, matemática e solução cooperativa de problemas. O relatório básico tem apenas 16 páginas disponíveis em inglês, Francês e Espanhol. Há ainda uma versão com uma avaliação específica sobre o Brasil, em Português. Vale a leitura. Para não ir muito longe, ainda que o grau de escolarização dos jovens de 15 anos tenha aumentado, o desempenho dos alunos no Brasil está abaixo da média dos alunos em países da OCDE em ciências (401 pontos, comparados à média de 493 pontos), em leitura (407 pontos, comparados à média de 493 points) e em matemática (377 pontos, comparados à média de 490 pontos). Em ciências não temos avanços desde 2006 e em leitura paramos no ano 2000. A análise social desses números é obvia, nossos resultados expressam a pobreza e a desigualdade do país. Entretanto, esses números também podem ter uma leitura gerencial/econômica que é menos direta para os não iniciados, ainda que o sentido seja o mesmo da análise social. Ou seja, somos incapazes de competir em mercados globais porque o nível de produtividade de nossa força de trabalho é muito baixo. No seu conjunto ela é incapaz de desenvolver atividades de alto valor agregado que normalmente são intensivas de conhecimento. E isso nos coloca em um ciclo pouco virtuoso, baixa qualificação, trabalho manuais/primários, baixa remuneração=pobreza... Entra ano, sai ano e não rompemos esse ciclo. E não adianta jogar rosa para Iemanjá nem lavar a casa do Senhor do Bonfim.
16/01/2017 às 12:04
No mesmo barco
Quando comecei a escrever este texto me peguei pensando longamente sobre qual a expressão que melhor capturaria o momento em que vivemos. Comecei com tempestade perfeita, refletindo a conjunção de favores contextuais extremamente negativos que enfrentamos. De um lado seguimos em depressão econômica sem perspectivas claras de melhora da atividade econômica nos próximos meses. Quem acha que o desemprego está em níveis elevados, ainda não se deu conta de que as projeções mais otimistas apontam um crescimento da massa de desempregados em mais dois milhões de pessoas. Aprofundando um pouco mais a reflexão cheguei à conclusão de que na verdade a vaca foi para o brejo expressa melhor a atual situação em que nos encontramos. No plano político o quadro não o poderia ser pior. À crise econômica se junta uma crise política de amplitude e magnitude nuncaantesvistanahistoriadestepais. Como se já não bastasse termos um governo de transição que já nasceu na defensiva midiática e com uma agenda de reformas fortemente impopular, ele agora está ferido de morte no rastro das denúncias apocalípticas da Odebrecht. Aliás, a delação da empreiteira levará de roldão todo o governo, seus aliados e a parte da oposição que ainda não está presa. O quadro sugere uma total desorganização do nosso já degenerado sistema politico, que dá seus últimos sinais de vida. Ja no plano social parece que impera um misto de perplexidade, diante dos desdobramentos de uma crise que parece não ter fim, e imobilismo, diante da patente falta de alternativas viáveis. A única agenda que mostra algum grau de consenso é o combate à corrupção encarnado na lava a jato, mas isso é insuficiente como projeto de pais. Nossos intelectuais ainda não conseguiram formular uma agenda mínima de consenso que combine crescimento econômico e desenvolvimento social. Tem-se a impressão de que estamos no mato sem cachorro! Alguns enxergam no judiciário uma bóia de salvação. Isso porque ainda não acordamos para o fato de que a corrupção é endêmica em nossa sociedade. O próprio judiciário, como parte desta sociedade, é extremamente corrupto, fisiológico, corporativo e patrimonialista. Quem não se lembra das palavras da ex-corregedora do Conselho Nacional de Justiça quando se referiu aos bandidos de toga? Casa de ferreiro, esperto de pau! Será que alguém imagina que as empreiteiras não têm interesses em disputa no judiciário? Que elas teriam algum tipo de escrúpulo específico na relação a pagar propina aos juízes e desembargadores? Ou será que os membros do poder judiciário são feitos de algum tipo de DNA distinto dos demais brasileiros, vivem em um mundo a parte ou são diretamente escolhidas pelo divino espírito santo para sua missão de julgar pairando impolutos acima do bem e do mal? No popular, tamo lascados!!!!! Agora não adianta chorar pelo leite derramado, Inês é morta. Parece-me que a esta altura do campeonato o mais sensato é buscar construir pontes e consensos mínimos em torno de uma agenda que nos permita superar a profunda crise que atravessamos. Precisamos evitar falsas soluções que privilegiem grupos e interesses corporativos específicos, precisamos a todo custo fugir da lógica do é tempo de muruci, cada um por sí! No final das contas, creio que a melhor expressão é aquela que diz: o pau que dá em Chico dá em Francisco. Estamos todos no mesmo barco. Se ele afundar ninguém se salvará.
12/12/2016 às 09:25
Do mesmo jeito
Da janela do meu hotel observo o movimento nas barracas que se espalham no calçadão em frente. Todo dia é a mesma rotina. À medida que se aproxima o por do sol o movimento vai aumentado. Aos poucos, cada barraca vai sendo cuidadosamente desempacotada e arrumada. Não da para contar quantas são...centenas com certeza! A noite avança lentamente e os turistas vão chegando aos montes, e logo a feira de artesanato da beira mar fervilha de gente. Apesar do movimento tenho a impressão de que os turistas mais passeiam do que compram. Pode ser a crise com seus orçamentos limitados, mas fico com a impressão de que a própria feira não ajuda. Resolvo descer e me juntar à multidão. Vou passeando pelos corredores e minha impressão vai tomando forma, ficando cada vez mais clara. Apesar do forte apelo turístico não há nada de interessante na feira, alem do passeio ou da distração em si mesma, o estar ali, ver as pessoas e o movimento. Não me entendam mal. Essa é uma "atividade obrigatória" para qualquer pessoa que visite a cidade. Entretanto, após mais de uma hora zigzagueando pelas barracas não encontrei um mísero objeto que atraísse minha atenção. A razão é simples: a feira de artesanato é absolutamente igual a toda e qualquer feira de artesanato que existe no país. Não ha nada de diferente. Nem os produtos ditos locais são diferentes. Eles apenas recebem o nome da cidade, mas podem ser encontrados em qualquer canto do Brasil. O mix de produtos é padrão: camisas de malhas com dizeres engraçados ou parodias de marcas famosas; artesanato local produzido aos milhões na China; castanhas e doces que podem ser encontrados na prateleiras de qualquer supermercado meia boca do país; as mesmas bijuterias de qualquer lugar; os mesmo bonecos de lampião, da Maria bonita e da namoradeira na janela....Nada, nada genuinamente local, nada tem um design próprio, nada incorpora a cor ou o sabor característico da região. Nada que grite ao turista - gaste seu dinheiro aqui, gaste seu dinheiro!!!!!! Você pode até ficar tentado a comprar uns imãs de geladeira, uns panos de prato, alguns espelhinhos e uma ou outra miçanga. Você poderá eventualmente ser enrolado por um artista local que usa um monte de clichês e chavões para tentar mostrar que existe algum tipo de arte ou craft naquilo que ele faz. Nada de qualidade. Tudo barato... Vinte e duas horas. No mesmo ritmo lento do início da noite as barracas vão sendo fechadas, os produtos guardamos, os turistas vão se dispersando. Do alto, é fácil perceber a transformação, as luzes vão diminuindo, o plástico substitui as cores...Amanhã a feira renascerá. As mesmas barracas, os mesmos produtos e até os turistas serão os mesmos. Amanha tudo será igual a hoje. As pessoas, os produtos, as ideias, os turistas e a pobreza....tudo do mesmo jeito.
01/11/2016 às 08:00
Por Enquanto
Não bastou a fusão do ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação com o de Comunicações; o rebaixamento da principal agencia de financiamento à pesquisa no país, o Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientifico e Tecnológico (CNPq), percebido pelos seus membros como um departamento do ministério das comunicações; não foi suficiente a suspensão dos editais de fomento e os diversos cortes nos investimentos em pesquisa ja efetivados. Isso tudo sobre uma base que tradicionalmente já bastante reduzida em nosso país que é o investimento em pesquisa e desenvolvimento. Não podemos nos esquecer do contexto já desfavorável criado pela PEC 241, a do teto de despesas do governo federal, que tem sido traduzida como cortes nos orçamentos da educação e da saúde. Nesta semana o próprio CNPq anunciou que estudava um corte linear nas bolsas de pesquisa já concedidas na ordem de 20-30%. Como miséria pouca é bobagem, o ministro que comanda a pasta das comunicações propôs, nesta mesma semana, mais um aumento do já bilionário fundo partidário. Venhamos e convenhamos que a luz dos infindáveis e sucessivos escândalos, enterrar mais dinheiro público no financiamento de partidos políticos não parece ser uma prioridade nacional. Parece mais piada de mau gosto. Apenas uma fração do aumento proposto aos políticos já seria suficiente para cobrir todo o orçamento destinado à pesquisa. Essa perversa combinação de corte e aumento se mostrou particularmente explosiva. Assim, em um ambiente já conflagrado a noticia correu como rastilho de pólvora. Kriptonita pura!!!! Em poucos minutos os grupos de pesquisadores no WhatsApp passaram a informação adiante e as reações começaram a pipocar de todos os lados. Primeiro entre os membros dos comitês de assessoramento do CNPq, formado por pesquisadores experientes em suas áreas, depois pelas entidades cientificas que vão multiplicando notas de protesto. O passo seguinte são as ocupações de reitorias e as greves que ja se anunciam. Não se pode alegar ingenuidade ou falta de experiência política, afinal, nesta esta altura do campeonato só tem macaco velho em campo. Também não se pode alegar desconhecimento de causa. Há muito se sabe que o tal mundo acadêmico é fonte de resistência ao establishment politico tradicional, de modo geral, e ao grupo que está no governo, de modo bastante específico. Assim, restam apenas poucas opções: ou somos governados por um bando de ignorantes que não conseguem enxergar um palmo à frente do próprio nariz e que não percebem que o corte em pesquisa hoje se traduzirá em maiores déficits no futuro próximo, que ciência e educação não são despesas, mas investimento; ou existe uma ação deliberada para desmontar o sistema de pesquisa baseado nos programas de pós graduação, uma das poucas áreas da política educacional que tem resistido e se mostrada bem sucedida ao longo dos anos. Neste caso, precisaríamos perguntar o que motivaria tal comportamento... Pode que esteja sofrendo da síndrome de Poliana, mas (por enquanto) prefiro crer na profunda ignorância dos nossos governantes.
25/10/2016 às 08:00
Será?
Não tem nenhuma novidade. Os sinais e as noticias estão por todos os lugares. Basta abrir os jornais e os sites de notícias que elas logo saltam aos olhos: déficit público, contenção de gastos, dificuldade para pagamento da folha de salários, desemprego, empresas em dificuldades. Basta andar por um shopping qualquer para se ficar impressionado com a quantidade de lojas fechadas. O número de desempregados também chama atenção, doze milhões. Ainda que não exista nenhuma grande dificuldade para se compreender a atual realidade econômica, há um elemento que curiosamente (ou não ...) se faz pouco presente, mesmo nos meios de comunicação que costumam ser mais críticos. Refiro-me ao lado humano da crise atual que já se arrasta por três anos, e que aponta para mais uma década perdida na economia. Esta semana me reuni com alguns amigos que já não via há algum tempo. A conversa como não podia deixar de ser caminhou para a economia. Mas diferentemente de outras ocasiões onde reclamações genéricas se apresentavam desta vez o tema girou em torno das pessoas. Uma desses amigos é Michel, geólogo, francês, casado com uma prima. Até uns três ou quatro anos atrás ele me falava da dificuldade de se contratar um geólogo para trabalhar em um projeto de exploração de minérios e de como as empresas buscavam estagiários no meio do curso nas escolas politécnicas. Esta semana a conversa mudou. Cuidando da implantação de uma mina no norte do país, ele me falou dos mais de oitenta currículos que recebe todo o mês de profissionais muito qualificados, de todas as idades, que estão dispostos a trabalhar por qualquer preço. Mais do que isso, de como tem sido doloroso receber a ligação de pessoas conhecidas que imploram chorando por uma oportunidade. Pessoas que perderam o emprego, que têm família para sustentar e não vêm perspectivas. Nessa mesma conversa Guto, administrador sério que trabalha para uma das empreiteiras baianas envolvidas na lava a jato, narrou uma estória semelhante que ele ouviu quando estava com seu chefe, que foi demitido e depois recontratado por um terço do salário que originariamente recebia. O chefe recebendo ligação de profissionais com os quais já havia trabalhado e que aos prantos imploravam por uma oportunidade para voltar a trabalhar, narrando as dificuldades para pagar aluguel, mensalidade da escola dos filhos... Desconfio que na polarização política que tomou conta do país, no embate de notas de repúdio, dos slogans e campanhas contra ou favor desta ou daquela posição política, da apresentação e da contestação de números, as pessoas são o detalhe incômodo. Pensar nas pessoas é dar um rosto à crise. E quando uma crise ganha o rosto ela invade nossas casas e nossas vidas com uma força avassaladora. E na grande maioria das famílias do país esse rosto é conhecido! É seu primo, sua irmã, seu vizinho, sua esposa, seu filho que não consegue um trabalho...Quem pagará essa conta? Quem arcará com a responsabilidade? Nessa hora só me vem à mente aquela célebre frase do camarada Mao : “Não importa a cor do gato desde que ele cace o rato”! Será que isso explica alguma coisa?
10/10/2016 às 09:21
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