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Entrevista: Marcus Presídio: “Do ponto de vista técnico, o Governo da Bahia pode contratar novos empréstimos”
Entrevista: Marcus Presídio: “Do ponto de vista técnico, o Governo da Bahia pode contratar novos empréstimos”
Por Política Livre
15/12/2025 às 09:13
Atualizado em 15/12/2025 às 16:19
Foto: Divulgação/Arquivo
Marcus Presídio
Após quatro anos à frente da presidência do Tribunal de Contas do Estado (TCE), o conselheiro Marcus Presídio encerra o ciclo na próxima terça (16) deixando como principal marca o trabalho para reposicionar a Corte como um espaço de diálogo, mediação e consenso, sem abrir mão, reforça ele, do rigor técnico e da fiscalização. Advogado, servidor de carreira da Assembleia Legislativa e conselheiro desde 2015, Presídio liderou o tribunal na tarefa de ajudar o governo estadual a destravar grandes investimentos.
Nesta entrevista exclusiva, o conselheiro fala sobre esse papel e o legado que deixa para o sucessor, que, tudo indica, será o colega Gildásio Penedo. Ele trata de temas que foram objeto de auditorias e relatórios recentes do TCE, a exemplo da fila da regulação e das obras paralisadas. Questionado, Presídio comenta, ainda, sobre as operações de crédito solicitadas pelo governador Jerônimo Rodrigues (PT).
O presidente do TCE aborda outros temas na entrevista, inclusive as indicações, para a corte, dos deputados federais Josias Gomes (PT) e Otto Alencar Filho (PSD), que devem ser aprovadas essa semana na Assembleia. No final da entrevista, Marcus Presídio responde como é hoje a relação com o ex-deputado Marcelo Nilo (Republicanos), que indicou o advogado para a vaga no tribunal quando ocupava a presidência do Legislativo baino.
Confira abaixo a íntegra da entrevista.
O senhor está deixando a presidência do Tribunal de Contas do Estado (TCE) após quatro anos, ou dois mandatos. O que deixou de legado no cargo?
A marca maior que eu acho que deixou como legado é a de abrir as portas do tribunal. O tribunal avançou muito na questão do diálogo, da aproximação com o gestor, da aproximação com a sociedade, através do diálogo e do consenso. Eu acho que é a marca que eu diria mais forte desses últimos quatro anos.
“Tenha certeza que foi (vantajoso). Se não fosse, o Tribunal de Contas não iria dar o aval para a compra dos trens do VLT pelo Estado da Bahia.”
Isso inclui a intermediação para destravar os trâmites burocráticos para a obra da ponte Salvador-Itaparica. Foi o momento mais importante da sua gestão?
Um dos mais marcantes, certamente. Tivemos um papel fundamental. O Estado já tinha feito algumas tratativas com o consórcio chinês no sentido de poder chegar a um acordo pós-pandemia na questão dos novos valores do contrato. É óbvio, é inegável, que a pandemia deixou marcas imensuráveis. E uma delas também na economia. Então, houve um aumento dos preços dos insumos, a exemplo de cimento, do aço, enfim. E uma obra com a magnitude muito grande sofreu esse impacto. Então, o Estado vinha tentando chegar a um acordo com o consórcio chinês e não conseguiu através do diálogo. E eu fui chamado pra saber se poderíamos tentar, através do consenso que o Tribunal de Contas da União (TCU) já faz há um tempo e tem dado certo na maioria dos casos, abrir uma comissão para que pudesse fazer a mediação, distensionar o diálogo e chegar a uma conclusão positiva. E assim foi feito. Foram três meses inicialmente renováveis por mais um mês de muita conversa, muito diálogo, muitas reuniões entre o consórcio, a parte jurídica, e o Estado, por meio da Procuradoria Geral (PGE), além do Ministério Público de Contas, que participou também. Graças a Deus deu tudo certo e as obras estão aí em vias de começar através da participação do Tribunal de Contas do Estado da Bahia.
O senhor acredita que agora finalmente a ponte começa a se tornar uma realidade? O tribunal vai continuar acompanhando de perto?
Claro que quem deve e pode falar sobre os processos de início, andamento e conclusão da obra é o governo do Estado. O que posso garantir é que agora nós vamos atuar mais ainda no sentido de fiscalizar as próximas etapas de início das obras, de canteiros de obras, enfim. Vamos fiscalizar o passo a passo da execução desse contrato.
O TCE, na sua presidência, também acompanhou de perto a obra do VLT de Salvador, especialmente a questão da compra dos trens que estavam no Mato Grosso. A oposição acusa o governo Jerônimo Rodrigues (PT) de ter feito um péssimo negócio nessa aquisição. Foi um bom negócio?
Tenha certeza que foi (vantajoso). Se não fosse, o Tribunal de Contas não iria dar o aval para a compra dos trens do VLT pelo Estado da Bahia. Os trens, para você ter uma ideia, eu já fiz duas visitas, eu e os técnicos do Tribunal de Contas, os auditores. Já fomos duas vezes à fábrica da CAF (Construcciones y Auxiliar de Ferrocarriles), que fabricou os trens. É uma empresa espanhola, mas a sede no Brasil é em Hortolândia, no interior de São Paulo. E para você ter uma ideia, na base contratual, tinha a questão do desmonte dos trens para fazer a revisão. Afinal, os trens nunca rodaram, mas estavam há um bom tempo parados. Inclusive, custava muito caro a manutenção, cuidar desses trens lá nos galpões, eles parados. Ainda teve essa vantagem, que esse custo para o erário também deixou de ter. E os trens estavam muito novos quando desmontou. Foi dada a garantia ao Estado da Bahia como se fossem zero. Então, posso assegurar que foi vantajoso para o Estado da Bahia, vantajoso para o Estado do Mato Grosso, e quem ganha é a população soteropolitana e a sociedade baiana. E tenho orgulho de também termos participado, intermediado, essa questão, através de um chamamento do TCU, que encabeçou a possibilidade de o Estado da Bahia adquirir esses trens. Foi um processo que exigiu muita conversa, muito diálogo, com todos os entes envolvidos.
Por falar em TCU, o tribunal apontou recentemente, em relatório, que existem mais de 900 obras paradas na Bahia. O próprio TCE também fez um relatório sobre o assunto no final do ano passado. Qual o motivo para isso ocorrer?
Olha, envolve vários aspectos. Mas eu acho que o principal deles é que às vezes existe um processo licitatório e que a empresa vencedora realmente, algumas vezes, nem tem condições de executar a integralidade da obra e mesmo assim ganha. E aí os problemas começam a aparecer, seja pelo lado do gestor, seja pelo lado da empresa vencedora daquela licitação. O Tribunal de Contas do Estado da Bahia audita essas obras e, no caso das paralisações, tenta conversar com os gestores e com os envolvidos até que haja um entendimento ou resolução. Porque o prejuízo não pode ficar na mão da sociedade, do erário.
“De fato, a fila da regulação aumentou muito, muito, e nós estamos atentos e o Estado também está muito preocupado. Nós temos mantido alguns diálogos com os técnicos para encontrar uma solução ou amenizar o sofrimento do povo em relação à saúde.”
Uma auditoria do TCE apontou que, entre 2019 e 2024, o tempo de espera na regulação para atendimento em 14 das 26 especialidades monitoradas piorou em toda a Bahia. Por que isso ocorreu, mesmo com tantos novos hospitais construídos no Estado?
Recentemente, eu não sei lhe dizer exatamente agora o dia, nós julgamos um processo sobre as contas do gestor que trata da área de regulação da Secretaria de Saúde e o resultado, a unanimidade, foi o de fazermos, como TCE envolvido, um plano de ação para a melhoria do sistema de regulação. Agora, eu quero dizer que o sistema é sempre auditado, sempre nós acompanhamos, mas a demanda é muito grande e nós vamos fazer agora um plano de ação conjunto. É sentar na mesa com os atores envolvidos, unir forças, para tentarmos mudar isso. De fato, a fila da regulação aumentou muito, muito, e nós estamos atentos e o Estado também está muito preocupado. Nós temos mantido alguns diálogos com os técnicos, os auditores da área, juntamente com os técnicos da Secretaria de Saúde, para encontrar uma solução ou amenizar o sofrimento do povo em relação à saúde.
O tribunal sempre aprova as contas do Estado com ressalvas. O que motiva essas ressalvas?
Olha, o que a gente mais vê é a questão das despesas dos exercícios anteriores, que têm aumentado. Nós temos mantido diálogo com o governo, com a Secretaria da Fazenda, alertando para isso. Mas o que nós mais chamamos a atenção são despesas pagas no exercício posterior à execução. Não é ilegal, mas não pode ser usado como regra. É para ser usado como exceção. Além disso, o Estado é muito grande, tem 417 municípios, uma diversidade da economia. Então, até pela sua dimensão, uma conta de governo é quase impossível não ter ressalva, que sinaliza que algo precisa melhorar.
O governador tem requisitado um número bem alto de operações de crédito, o que é alvo de críticas da oposição. É normal todo esse volume de operações de crédito?
O que eu posso falar é da área técnica. Do ponto de vista técnica, o governo da Bahia pode contratar novos empréstimos. O Estado da Bahia vem cumprindo rigorosamente os índices de endividamento. A cada quatro meses, nós auditamos todos os índices. E eu posso lhe assegurar que o Estado vem cumprindo os índices relacionados à Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). Eu tenho que falar tecnicamente. Então, são os números que nós temos acesso, que os auditores auditam. Hoje, o Estado cumpre rigorosamente os índices de endividamento que a Lei de Responsabilidade Fiscal impõe.
O TCE tem funcionado sem o colegiado de conselheiros completos há algum tempo, com duas cadeiras ausentes, uma delas desde setembro do ano passado, após o falecimento de Pedro Lino. Isso atrapalhou de alguma forma os trabalhos?
Olha, prejudicar não prejudicou. Agora eu tenho que admitir que está sendo difícil, porque o colegiado é formado por sete conselheiros e hoje nós temos duas vagas abertas. Então, o que é que nós fizemos? Nós nos reinventamos. Criamos a figura do conselheiro vacante, e fizemos uma espécie de escala de substituição. Então, a cada 60 dias, um dos conselheiros assume aquele gabinete vacante. Obviamente que é uma sobrecarga, não tenho dúvida, mas nenhum julgamento foi prejudicado por este fato. Tanto é que nós já estamos caminhando para bater todas as metas que foram estipuladas no início do ano.
Sobre a vaga de Pedro Lino, houve uma disputa judicial. Os auditores do TCE teriam, em tese, direito à vaga por meio de uma listra tríplice enviada ao governador, mas foram derrotados no Supremo Tribunal Federal (STF) e Jerônimo Rodrigues indicou, na semana passada, o deputado federal Josias Gomes (PT). Os auditores não ficaram chateados?
Veja. O Tribunal de Contas do Estado da Bahia era o único, ou um dos poucos, eu não sei lhe afirmar agora com exatidão, em que não existia no plano de cargos e salários a figura do auditor substituto, que é um concurso específico com algumas particularidades. Esse auditor é que pode substituir o conselheiro titular. Então, naqueles casos bem específicos, ele funciona como conselheiro, mas na substituição de um titular. A Constituição é muito clara: ela diz que são sete conselheiros, quatro indicados pela Assembleia Legislativa e três pelo governador, sendo um entre os membros do Ministério Público de Contas, um dos auditores substitutos e outro de livre nomeação do governador. Ora, o Tribunal de Contas da Bahia, cumprindo uma determinação judicial do próprio Supremo, da ministra Carmen Lúcia, tem que criar a vaga e fazer o concurso para o auditor substituto. Este projeto estava na Assembleia Legislativa, já apresentado, se não me falha a memória, desde meados de 2023, e foi recentemente aprovado, ou seja, criando na lei o cargo de auditor substituto. O próximo passo é o quê? É o Tribunal de Contas da Bahia realizar o concurso para o auditor substituto para que tenhamos auditores substitutos aptos a substituir algum conselheiro na sua vacância. Pedro Lino era auditor de carreira, e a vaga dele é de auditor de carreira, mas não é o auditor substituto que nós, na verdade, não temos no quadro. Então, a associação ligada aos auditores substitutos, uma associação nacional, ela entrou no Supremo com uma ação dizendo da omissão da Assembleia não aprovar essa lei, porque já tinha um certo tempo lá essa lei apresentada. Finalmente, foi agora recentemente aprovada. Em acho que está em vias de o ministro Dias Toffoli, do STF, encerrar essa celeuma jurídica (sobre a vaga de Pedro Lino). Mas na semana passada, o governador indicou o deputado Josias Gomes para esta vaga, mas a decisão final do Supremo ainda não chegou.
“Veja, não cabe a mim avaliar indicação do governador. O que eu sei, o que eu quero e espero, é que o deputado Otto Filho venha a cumprir rigorosamente o seu papel constitucional atuando como conselheiro do Tribunal de Contas do Estado da Bahia.”
Por que a Assembleia não aprovou antes a lei que cria a vaga do auditor substituto, já que o projeto foi enviado por você ainda em 2023?
É um assunto interno a cópia da própria Assembleia Legislativa. Eu preferia não opinar.
Quando o concurso será realizado? E para quantas vagas?
Devemos formar a comissão agora no início de 2026, na próxima gestão. E aí é o trâmite. Serão duas vagas. E eu acredito que no ano de 2026 a gente consiga. Porque é um concurso muito específico. É um concurso muito concorrido. Você imagine que quem passar nesse concurso tem a possibilidade real de vir a ser nomeado conselheiro do Tribunal de Contas do Estado.
O entendimento do STF, então, é que a próxima vaga aberta, que será a do conselheiro João Bonfim, a se aposentar em 2028, seja de um auditor substituto, correto?
Isso foi o voto do ministro Gilmar Mendes nesse processo, pois houve um caso semelhante no Tribunal de Contas do Distrito Federal. Então, eu acho que, por analogia, vai caminhar nesse sentido. Agora é uma opinião pessoal minha, está bem.
Como o senhor viu a indicação do deputado federal Otto Alencar Filho (PSD), um deputado ainda jovem, para a vaga do conselheiro aposentado Antonio Honorato?
Veja, não cabe a mim avaliar indicação do governador. O que eu sei, o que eu quero e espero, é que o deputado Otto Filho venha a cumprir rigorosamente o seu papel constitucional atuando como conselheiro do Tribunal de Contas do Estado da Bahia. As referências dele são as melhores possíveis. É um jovem dedicado. Então, é acreditar e ajudá-lo no que for preciso para que ele venha a desempenhar um bom trabalho como conselheiro do tribunal.
Na próxima terça (16), o tribunal fará a eleição da Mesa Diretora para o próximo biênio. O senhor não pode mais ser candidato ao cargo. O vencedor será mesmo o conselheiro Gildásio Penedo, como se especula?
O que eu posso lhe garantir é que eu sou candidato a vice-presidente. Quero participar da chapa, quero poder ajudar o próximo presidente. O Tribunal de Contas tem crescido muito nacionalmente, então eu quero, eu sou candidato a vice-presidente e eu vou aguardar ter o apoio dos meus pares para ser eleito vice-presidente. Quanto ao presidente, eu acredito que quem se colocou como candidato até agora foi o conselheiro Gildásio Penedo. O conselheiro Inaldo Araújo também se colocou, mas nesse intervalo de tempo ele, para honra da Bahia, do Tribunal de Contas da Bahia, foi eleito presidente do Instituto Rui Barbosa (IRB), que é uma instituição nacional que trata da parte acadêmica e científica dos tribunais de contas. Então, hoje eu acredito que quem está posto como candidato é o conselheiro Gildásio Penedo, que eu tenho certeza que fará um excelente trabalho.
“O meu desejo é que Marcelo Nilo tenha sempre sucesso, consiga ser o que ele almeja hoje: candidato a senador na chapa da oposição.”
Como é hoje a sua relação com o ex-deputado Marcelo Nilo, que, quando presidente da Assembleia, o indicou para o TCE? Em entrevistas recentes, ele andou fazendo críticas ao senhor.
A relação hoje infelizmente não existe mais. A vida nos levou aí para lados opostos, mas eu reconheço publicamente a minha gratidão. Cheguei no ano de 2015 ao Tribunal de Contas para ser conselheiro, cargo que me honra muito, por indicação do então presidente da Assembleia Legislativa, o deputado Marcelo Nilo. Mas hoje, infelizmente, por vias da própria vida, nós não somos mais próximos. Mas o meu desejo é que Marcelo Nilo tenha sempre sucesso, consiga ser o que ele almeja hoje: candidato a senador na chapa da oposição. Eu acompanho só pela imprensa, e é isso que se fala.
