Há padrão no abuso de preços de medicamentos, diz ex-Cade
Sindusfarma diz que falar em padrão de conduta das farmacêuticas é narrativa simplista
Por Stéfanie Rigamonti/Folhapress
20/12/2025 às 12:00
Foto: O advogado Luiz Hoffmann, ex-conselheiro do Cade
Divulgação
O ex-conselheiro do Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) Luiz Hoffmann, ao lado do advogado Pedro Victhor Lacerda, lançou no mês passado o livro "Condutas Anticompetitivas no Setor Farmacêutico", fruto de uma pesquisa que mapeou 129 casos analisados por órgãos de defesa da concorrência de mais de 20 países.
Segundo Hoffmann, é possível dizer que há um padrão no "reiterado abuso" pelos grandes laboratórios globais de uma posição dominante de mercado. O livro cita condutas anticoncorrenciais que geraram hiper-aumento de preços, como cartéis, pagamento a concorrentes para o atraso na chegada de genéricos ao mercado e barreiras artificiais para manutenção do monopólio.
Em alguns casos, condutas desse tipo resultaram em medicamentos com preços até 1.400% mais caros do que poderiam ser vendidos.
Consultado, o Sindusfarma (Sindicato da Indústria de Produtos Farmacêuticos) disse que falar em conduta padrão dos laboratórios é uma narrativa simplista. "O desenvolvimento de um novo medicamento envolve, em média, mais de uma década de pesquisa, altas taxas de insucesso e investimentos bilionários. Sem a proteção patentária, esses investimentos simplesmente não ocorreriam", diz a entidade.
O que motivou o levantamento?
Não tinha nenhum trabalho que consolidasse decisões sobre a indústria farmacêutica na ótica das agências concorrenciais. A saúde é um dos setores mais importantes no Brasil, e acho legal essa discussão do ponto de vista da política pública. Porque o Cade tutela a livre concorrência pelo modo como ela afeta a sociedade.
E o que encontraram na pesquisa?
De 129 casos, 70% tiveram condenação. É um número alto. Então, existe um padrão em que há um reiterado abuso dessa posição que chamamos de posição dominante. É uma conduta.
Por que há esse padrão na indústria farmacêutica?
O setor é concentrado, com altas barreiras de entrada: precisa ter uma série de licenças, capital investido, farmacêuticos, médicos, testes na sociedade. Não é qualquer um que vira player. Em alguns casos, quando a farmacêutica tem a patente, ela é monopolista. Sempre que tem muita concentração pode haver abuso desse poder econômico. E ainda tem um agravante. Eu, como consumidor, não sei qual remédio tenho que tomar. Quem sabe é o médico. Só que tem um recorte: na Coreia do Sul registramos oito condenações porque as farmacêuticas davam rebate para os médicos, que é a famosa comissão.
Isso existe no Brasil?
Não achamos nenhuma condenação sobre isso no Cade.
O sr. é contra as patentes?
Eu não sou contra a patente nem contra a indústria farmacêutica. Só fizemos um diagnóstico. Eu uso remédios e ainda bem que existem as farmacêuticas, porque elas investem para achar novas soluções e trazer benefícios para a sociedade. Mas não pode ter abuso.
Como evitar os abusos?
Vamos olhar a União Europeia. Eles deixam a concorrência acontecer e, se tiver abuso, as empresas são processadas. Nos Estados Unidos, é escola de Chicago, tudo aberto. Então, o FTC [Federal Trade Commission] foca mais em casos de cartel, ou no pay for delay, o famoso "pagar para atrasar", que é uma prática em que a farmacêutica, quando acaba sua patente, ela paga para seu concorrente não colocar um remédio no mercado.
Há algum caso assim mapeado no Brasil?
Não. Só nos EUA, que têm o maior preço de remédios do mundo. Como não tem regulação, e é mais solto, em média os remédios lá são 200% mais caros que em outros países. O Brasil tem a CMED [Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos], que coloca um valor máximo de medicamentos. Mas ela estipula esse preço com base em uma média de outros países. E um dos países é os EUA.
Como resolver essa situação?
Acho que temos que fortalecer as instituições. Também tem que ter denúncias, mais material humano, maior investimento do Estado e discussão constante com a CMED para questionar se temos que manter os EUA como benchmark. Porque, no fim, quem vai pagar mais caro pelo remédio? Tem um impacto na sociedade ou no SUS. No próprio Estado.
Quais são os casos mais emblemáticos mapeados?
Na África do Sul tem um caso de remédios para HIV [da GSK e da Boehringer Ingelheim] que eram vendidos com preço até quatro vezes maior do que deveria ser cobrado. Como consequência, metade da população com a doença não teve acesso ao remédio. Tem outro caso na União Europeia da Aspen [Pharmacare], cujos remédios, em média, excederam seus custos em quase 300%. Nesse caso nem havia patente envolvida. O argumento era de que as empresas tinham que cobrar para recuperar o investimento feito para trazer o medicamento ao país [Itália].
E no Brasil?
Tem um que está para ser julgado agora, de um medicamento chamado escopolamina [usado para aliviar espasmos do trato gastrointestinal, urinário e respiratório]. E foi um cartel internacional, com definição de cotas de produção e vendas para restringir a quantidade do remédio disponibilizado no mercado.
