Home
/
Noticias
/
Brasil
/
Projeto da COP30 abandonado em Belém envolveu esquema com imóvel no Leblon, diz PF
Projeto da COP30 abandonado em Belém envolveu esquema com imóvel no Leblon, diz PF
Por Vinicius Sassine/Folhapress
24/10/2025 às 21:45
Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil/Arquivo
A PF (Polícia Federal) afirma que um programa apresentado como prioritário para a COP30 –e que acabou paralisado, sem que bairros da periferia de Belém recebessem as ações para interrupção de enchentes e alagamentos– foi usado em um suposto esquema de corrupção, com pagamentos de suborno na forma de carro de luxo e apartamentos, um deles no Leblon, no Rio de Janeiro.
A investigação da superintendência da PF no Pará resultou na deflagração de uma operação, chamada Óbolo de Caronte, no último dia 16, com o cumprimento de 13 mandados de busca e apreensão, afastamento de 12 servidores da Prefeitura de Belém e suspensão de três contratos públicos. Os crimes investigados são organização criminosa, corrupção e lavagem de dinheiro.
O suposto esquema teria envolvido saques de dinheiro em espécie e pagamento de propina a servidores do município, na gestão anterior à do atual prefeito, Igor Normando (MDB). Conforme a PF, o dono da empresa F.A.S. Serviços Técnicos, Jorge Quintairos Jacob, liderou pagamentos de suborno a secretários da administração de Edmilson Rodrigues (PSOL), prefeito derrotado nas urnas em 2024.
Entre 2020 e 2024, a empresa recebeu R$ 153 milhões a partir de contratos públicos com o município, segundo a PF. A polícia diz que os saques em espécie superaram R$ 9 milhões e que o pagamento de propinas mapeado somou R$ 5,3 milhões.
Entre elementos de suborno citados pela PF, estão a destinação de um carro de luxo no valor de R$ 356 mil, a compra de um apartamento no Leblon, bairro nobre no Rio, e o pagamento da entrada de um segundo apartamento, em Belém, para a então secretária de Saneamento da prefeitura, Ivanise Coelho Gasparim (PT).
A empreiteira e a ex-secretária não responderam aos questionamentos da reportagem.
O ex-prefeito disse, em nota, que contratos foram assinados antes de sua gestão e que não é nem investigado nem citado pela PF. A atual gestão disse que não vai comentar. Em nota divulgada na semana passada, a prefeitura afirmou que colabora com as investigações e que abriu sindicância para apurar a responsabilidade de servidores.
No suposto esquema, segundo a PF, foi usado o Programa de Macrodrenagem da Bacia Hidrográfica do Mata Fome, voltado a intervenções urbanas para garantia de direitos básicos em quatro bairros de Belém, com ações previstas em uma extensa rede de canais ligados ao igarapé Mata Fome, em benefício a 130 mil pessoas.
As obras foram apresentadas, em 2024, como prioritárias para a COP30, a conferência do clima da ONU, com drenagem de canais, pavimentação de ruas, tratamento de esgoto e construção de casas numa região periférica onde os moradores convivem com alagamentos constantes.
A atual gestão do município parou de considerar o programa como uma iniciativa associada à COP30, que será realizada em novembro em Belém.
"As obras do programa no igarapé Mata Fome se encontram em estado de virtual paralisação e abandono. Apenas intervenções iniciais e pontuais foram executadas até o final de 2024, e a obra está paralisada desde janeiro de 2025", disse a PF, em relatório usado para embasar a operação deflagrada na semana passada.
"Milhões de reais foram liberados e pagos à empresa contratada, sem correspondência no canteiro de obras", afirmou a polícia. "Enquanto os envolvidos se enriqueciam ilicitamente, importantes obras públicas permaneciam paralisadas ou inacabadas."
Trocas de mensagens entre donos da empreiteira e gestores da Secretaria de Saneamento mostram pressão para liberação de recursos relacionados ao Mata Fome.
Uma nota de empenho –que é a autorização para os recursos– de outubro de 2024, reproduzida em relatório da PF, garantiu R$ 5,3 milhões da secretaria à F.A.S., tendo como fonte de recursos o programa do Mata Fome, com dinheiro do Fonplata, a partir de operação de crédito externa. O Fonplata é um banco de desenvolvimento de Brasil, Bolívia, Argentina, Paraguai e Uruguai.
Quando o projeto foi apresentado pela Prefeitura de Belém, em maio de 2024, a gestão passada afirmou que a iniciativa era prioritária para a realização da COP30 e contava ainda com R$ 132,7 milhões do PAC Seleções, do governo federal.
O Ministério das Cidades disse, em nota, que os recursos para urbanização e qualificação do Mata Fome não foram liberados pela pasta. "A obra não concluiu o processo licitatório", afirmou.
A investigação da PF lista intensa troca de mensagens entre Jacob, dono da F.A.S., e a então secretária Ivanise Gasparim.
A polícia diz que Ivanise orquestrou um esquema de corrupção, com direcionamento e fraude na contratação da empreiteira, indicação de funcionários da secretaria que deveriam receber propina –12 servidores são apontados na investigação– e recebimento de transferências de dinheiro, a partir de terceiros e de um restaurante em nome de familiares.
Um carro de luxo foi custeado por Jacob e entregue de forma "velada" a Ivanise, segundo a PF. "O automóvel foi registrado em nome de interpostas pessoas", disse à polícia.
O apartamento no Leblon foi comprado pela ex-secretária por meio de pagamentos fracionados no valor de R$ 729 mil, que saíram de "múltiplas fontes do esquema", conforme relatório da PF. Outro imóvel, em construção em Belém, teve a entrada de R$ 354 mil paga em parte por Jacob, segundo a polícia.
A PF diz ainda que houve repasses de R$ 180 mil em benefício a Cláudio Puty (PSOL), que foi secretário municipal do Planejamento e Gestão. Puty manteve contatos por mensagem com Jacob e indicou a conta de um tio para o recebimento do dinheiro, segundo a PF.
O ex-secretário não foi localizado pela reportagem para comentar a acusação feita pela polícia.
