Elias de Oliveira Sampaio

Políticas Públicas

Economista do Ministério da Economia. Mestre em Economia e Doutor em Administração Pública pela UFBA. Autor de diversos trabalhos acadêmicos e científicos, dentre eles o livro Política, Economia e Questões Raciais publicado - A Conjuntura e os Pontos Fora da Curva, 2014 a 2016 (2017) e Dialogando com Celso Furtado - Ensaios Sobre a Questão da Mão de Obra, O Subdesenvolvimento e as Desigualdades Raciais na Formação Econômica do Brasil (2019). Foi Secretário Estadual de Promoção da Igualdade Racial (Sepromi) e Diretor-presidente da Companhia de Processamento de Dados do Estado da Bahia (Prodeb), Subsecretário Municipal da Secretaria da Reparação de Salvador (Semur), Pesquisador Visitante do Departamento de Planejamento Urbano da Luskin Escola de Negócios Públicos da Universidade da Califó ;rnia em Los Angeles (UCLA), Professor Visitante do Mestrado em Políticas Públicas, Gestão do Conhecimento e Desenvolvimento Regional da Universidade do Estado da Bahia (Uneb). Professor, Coordenador do Curso de Ciências Econômicas e de Pesquisa e Pós-Graduação do Instituto de Educação Superior Unyahna de Salvador.

Da Bancada do Feijão à Escola Politécnica da UFBA: Eu quero ela!

Em exatos trinta dias após o primeiro seminário público realizado pela Campanha EU QUERO ELA: SALVADOR 2020, no espaço cultural da Câmara de Vereadores, no último dia 09 de setembro foi a vez do Projeto Polêmicas Contemporâneas, coordenado pelo professor Nelson Pretto, da FECED/UFBA, discutir a Campanha que vem agitando o debate político-eleitoral na Cidade, desde que algumas instituições e lideranças do Movimento Negro da Bahia, mobilizados a partir da “Bancada do Feijão”, decidiram problematizar e fazer o enfrentamento eleitoral contra a prática secular, por parte de todas as agremiações partidárias, de apenas privilegiarem candidatos brancos para dirigir os destinos dos soteropolitanos. Registre-se, por oportuno, que tal comportamento racialmente hierarquizante tem se sustentado tanto à revelia da maioria da população negra da capital do estado, quanto sobre a total desconsideração da fragorosa representatividade negra das próprias bases eleitorais de partidos de centro-esquerda, a exemplo do PT, PC do B, PDT, PSB e PSOL, cujos estatutos e narrativas públicas pregam o combate ao racismo e a promoção da igualdade como elementos estruturantes de seus projetos políticos eleitorais.

Pois bem, de forma muito diferente do primeiro encontro, e profundamente pertinente para o momento dessas discussões, o professor da FACED propôs um debate com integrantes da Campanha, com articulistas políticos de importantes e reconhecidos veículos de comunicação de massa e a comunidade discente e docente da UFBA que acompanha o seu Projeto. De antemão, cabe-nos ressaltar que nada nos parece mais oportuno para o sucesso da ideia força EU QUERO ELA, do que adentrar em espaços dessa natureza, principalmente, porque todo o evento foi transmitido em tempo real para além do espaço físico da universidade, através das diversas plataformas digitais do Polêmicas Contemporâneas, ampliando, significativamente, o alcance dos debates. Além disso, teve a participação on site de um qualificado público, estimado em mais de cem pessoas, dentre elas, históricos militantes dos partidos de centro-esquerda como José Sérgio Gabrielli (PT) e Vovô do Ilê, referência nacional inconteste do Movimento Negro, pré-candidato pelo PDT e autor/promotor do mote EU QUERO ELA, desde 2006.

Fato é que a discussão trouxe algumas questões importantes sobre o tema e apontou para premência de algumas outras ações a serem feitas para dar consequência aos objetivos da Campanha. Restou patente, por exemplo, que não há mais possibilidade de levantamento de dúvidas de que o debate advindo da Bancada do Feijão de Dona Alaíde, já está imprimindo marcas nas discussões eleitorais para 2020, em Salvador e alhures. Isto é, para além de um legítimo objeto de trabalho para o ambiente acadêmico e político-institucional universitário e nas tradicionais searas do Movimento Negro, a presença de jornalistas políticos de primeira linha, como Osvaldo Lira (Editor de Política da Tribuna da Bahia) e Raul Monteiro (Editor do Site Política Livre), os quais, já vem acompanhando a Campanha nos seus respectivos veículos de comunicação, ilustra um aspecto até então inédito nas tratativas eleitorais associadas as relações raciais, na Bahia e no Brasil, qual seja: a tempestiva construção de todo este processo está sendo seriamente observada não apenas pelos Negros e Negras interessados mais diretos no assunto, mas sim, por uma gama de profissionais experimentados na pauta Política e eleitoral que, além de formadores de opinião, são testemunhas peculiares dessas movimentações em Salvador e no país que, ao se colocarem como interlocutores do debate, atestam de forma objetiva, a importância de todo o seu desenvolvimento para o atual momento da política local e nacional.

Neste mesmo diapasão e não por mera coincidência, cabe o registro de toda a atenção dada à temática, pelo grupo Metrópole de Comunicação, especialmente através de entrevistas com pré-candidatos e lideranças do Movimento Negro envolvidos no processo, mais precisamente no concorrido horário do final de tarde comandado por Chico Kertész, James Martins e José Eduardo (Bocão) e, não obstante, no caso de Bocão, em inserções no site Bnews e na TV Record. Significa dizer que a ideia força EU QUERO ELA não só está adentrando na agenda mais ampla da sociedade através da sua publicização por parte da mídia local, mas também, o cerne da sua legítima problematização está sendo paulatinamente absorvido no discurso de atores sociais relevantes fora do espectro do Movimento Social Negro e seus parceiros mais tradicionais que já vem, de há muito, tratando de toda essa empreitada de forma cada vez mais eficaz e qualificada, frise-se. Ou seja, a cada dia que passa, tem se esvaziado ainda mais o fácil discurso do “racismo ao contrário” e do “racialismo” do debate político (sic), rapidamente trazido por incautos, ingênuos, racistas envergonhados e intelectuais de importância discutível, quando tentam se contrapor  a esse processo.

Mesmo assim, e muito contraditoriamente, a indiscutível reverberação da urgência dessa transição política, não está tendo a mesma atenção por parte dos principais players da política institucional e partidária do Estado e da Cidade. Tem nos causado espécie, por exemplo, que dirigentes partidários, à esquerda e à direita, têm sido bastante céleres em tentar invisibilizar a Campanha e até, de certa forma, desqualificar algumas pré-candidaturas negras de seus próprios partidos, à medida que ainda não tem reconhecido, publicamente e de forma assertiva, os seus próprios pré-candidatos que tem dialogado com o mote EU QUERO ELA. Pior do que isto: paralelamente, alguns deles têm defendido de forma eticamente intolerável, continuar a privilegiar supostas candidaturas de atores sociais brancos como se fossem divinamente predestinados, alguns deles até, de fora de suas próprias hostes partidárias históricas – mesmo e apesar – desses próprios “ungidos” virem a público, reiteradamente, afirmar que sequer são ainda pré-candidatos.

Essa digressão nos serve para pontuar de maneira enfática um fato que parece ainda não ter sido compreendido pelas “mentes brilhantes” que orientam as escolhas políticas que passados quase duas décadas de hegemonia da narrativa da centro-esquerda inauguradas pela vitória de Lula em 2003, sem que tenha havido uma efetiva transformação democrática, um avanço socioeconômico sustentável e racialmente equitativo para a maioria da população, como fora prometido, não há mais espaço para ser dada uma segunda oportunidade aos mesmos atores e interlocutores políticos institucionais e partidários, sem que também haja, a priori, demonstrações incontroversas sobre as reais possibilidades de mudanças nos processos, nos procedimentos e, principalmente, na divisão mais equitativa do protagonismo sobre a gestão do aparelho de estado e a apropriação sobre os instrumentos socioeconômicos deles decorrentes que, ao fim e ao cabo, são os instrumentos mantenedores de poder de determinadas classes e grupos sociais, independentemente de suas máscaras partidárias. Ou seja, o recado que está sendo dado é que os Negros e Negras de Salvador não estão mais dispostos a servirem apenas de base para a garantia eleitoral de projetos que não apontem de forma pragmática para uma mudança paradigmática que interrompa o ostensivo revezamento da minoria branca de nossa sociedade, decidindo os destinos da maioria de nossa população por mais de 500 anos que, exatamente por isto, os fazem permanecerem pobres, sem educação, saúde e sequer com o direito de morar e viver de forma digna e segura.

Diante disto, são alvissareiros os resultados das democráticas eleições internas para escolha da direção do Partido dos Trabalhadores em Salvador que, realizadas em primeiro turno no último dia 8, apontou para a vitória de Ademário Costa com 49,1% dos votos válidos para a Presidência do Partido. Com efeito, Ademário e outros integrantes de seu grupo político são alguns dos militantes do PT que participam da Campanha EU QUERO ELA e, paralelamente, tem defendido junto à sua entidade, ter candidatura própria em 2020 e que ela seja representada por um uma candidatura negra. Neste aspecto, independentemente dos resultados do segundo turno para definição da Presidência do PT em Salvador, a composição resultante da performance eleitoral das chapas que comporão a direção partidária, deverá alterar de forma robusta a correlação de forças políticas internas e, talvez, estejamos diante de uma grande oportunidade para levarmos para dentro do maior partido de esquerda da cidade, os termos do debate que ora vimos fazendo a partir da Bancada do Feijão, resguardando, inclusive, a sinergia e o acúmulo já existente sobre esse tema na própria agremiação, que, saliente-se, tem sido historicamente construído através de suas secretarias e setoriais de combate ao racismo.

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