Karla Borges

Economia

Professora de Direito Tributário, graduada em Administração de Empresas (UFBA) e Direito (FDJ) ,Pós-Graduada em Administração Tributária (UEFS), Direito Tributário, Direito Tributário Municipal (UFBA), Economia Tributária (George Washington University) e Especialista em Cadastro pelo Instituto de Estudios Fiscales de Madrid.

Novo Regimento da SEFAZ

Na última semana de março foi publicado no Diário Oficial do Município o Decreto 24.870/14 que previa alteração no Regimento da Secretaria Municipal da Fazenda de Salvador, passando a vigorar a partir de 1º de abril de 2014. Entretanto, para surpresa dos servidores fazendários, o instrumento normativo promoveu modificações na estrutura organizacional, extinção, alteração e criação de cargos públicos, além de mudanças de atribuições, contrariando o que dispõe a Constituição Federal (CF).

A Lei 8.376/2012 de 21.12.12 modificou a estrutura da Prefeitura e autorizou o Chefe do Poder Executivo Municipal no prazo de até 120 dias, mediante decreto, adequar, complementar e fixar os regimentos das secretarias criados por essa lei. Em relação à Sefaz, porém, apenas extinguiu o cargo de assessor chefe e não criou nenhum outro cargo comissionado. Dispôs também no artigo 23 sobre a possibilidade de adequar o Plano Plurianual e o orçamento de 2013, uma vez que a gestão estava se findando. Eis que em 11/01/13 é publicado o Decreto 23.779/13, criando duas Diretorias Gerais na Fazenda: a de Receita e do Tesouro, não previstas na lei anterior.

O fato é que o Decreto 24.870/14 revogou o anexo IV do Decreto 23.779/13 causando profundas alterações nos cargos da Sefaz: extinguiram coordenadorias, subcoordenadorias, inúmeros setores, os cargos de secretária, em contra partida aumentaram para 75 a quantidade de encarregados e nenhum estudo prévio foi apresentado para justificar a eficiência do novo modelo. Fundiram, por exemplo, a Coordenadoria de Tributos Imobiliários com a Coordenadoria de Atividades Econômicas; a Coordenadoria de Arrecadação absorveu a Coordenadoria de Atendimento ao Público e diversos setores. Aliás, ela será a responsável pelo lançamento do tributo, cobrança, baixa, parcelamento, inscrição em dívida ativa, credenciamento de instituições financeiras, além de coordenação do atendimento. Inclusive, foram criados sete cargos de supervisores, jamais previstos na estrutura organizacional da Prefeitura.
O Supremo Tribunal Federal (STF) entendeu que a extinção de cargos públicos não pode acontecer de forma genérica, dependendo, portanto, de lei específica em que conste os cargos extintos. Ademais, a criação de cargo ou alteração das suas atribuições não pode ser efetuada por ato infralegal, dependendo, também, de lei formal. Caso uma lei municipal permita ao prefeito a criação de cargos públicos mediante decreto, constata-se a inconstitucionalidade da mesma, de acordo com o art. 61, §1º, a e art. 84, IV CF (ADI 3232, 3983, 3990). Somente lei pode discorrer sobre a matéria. (RE 577025)

Atribuir ao Prefeito a possibilidade de dispor por decreto sobre a organização administrativa, podendo inclusive criar novos cargos é rechaçada pelo STF por afronta aos princípios constitucionais (ADI 4125). É impossível alterar atribuições de servidores mediante portaria “a alteração de atribuições de cargo público somente pode ocorrer por intermédio de lei formal”, sendo a portaria um meio juridicamente impróprio para definir as atividades do servidor (MS 26955). Faz-se necessário lembrar que a Carta Magna prevê uma única hipótese de extinção de cargo por decreto: quando esse estiver vago e no caso concreto da Sefaz todos estavam devidamente ocupados.

A extinção de um cargo ocupado pode gerar algumas consequências irreparáveis, tanto para servidores estáveis, como para comissionados ou em estágio probatório, culminando até em exonerações. Desta forma, necessário se faz ter atenção aos princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório, para o atendimento ao devido processo legal. A criação, transformação e extinção de cargos, empregos e funções públicas do Poder Executivo exige lei de iniciativa privativa do Presidente da República, dos Governadores dos Estados e do Distrito Federal e dos Prefeitos Municipais, conforme seja federal, estadual e municipal.

Verifica-se, portanto, que a alteração da estrutura da Administração Fazendária com a extinção de cargos e a criação de outros está em discordância com o que reza o art. 84, VI, “a” e “b” da Carta Magna. Há também uma limitação imposta pelo art. 2º referente a separação dos poderes. A doutrina e jurisprudência são uníssonas ao afirmar que os Tribunais de Contas podem aferir a legalidade dos atos a partir da violação dos princípios que têm densidade normativa maior do que as regras. No caso de Salvador, parece ter havido uma transgressão explícita a Constituição Federal, e aos atos infraconstitucionais, uma vez que haveria vício de competência na realização do Decreto, tendo em vista que caberia à Casa Legislativa apreciar a criação ou extinção de cargos ou funções por iniciativa do Executivo.

A administração pública deve ser regida pelos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, portanto é imprescindível o respeito às normas e eventuais abusos devem ser terminantemente vedados pela sociedade e por órgãos fiscalizadores. Poder-se-ia até invocar a arguição de descumprimento de preceito fundamental (ADPF), cabendo também ao Ministério Público examinar a matéria, vez que o STF já se pronunciou em casos semelhantes: “Atos inconstitucionais são por isso mesmo nulos e destituídos em consequência de qualquer carga de eficácia jurídica. A declaração de inconstitucionalidade de uma lei alcança, inclusive, os atos pretéritos com base nela praticados.” (ADI652)

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