Foto: Dida Sampaio/AE
18 de julho de 2017 | 11:36

Uma proposta mais que vergonhosa, por Raul Monteiro

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Lamentavelmente, o país se acostumou a assistir a sucessivas reações da classe política brasileira, algumas veladas, outras escancaradas, a medidas que atentam contra seus hábitos moralmente deploráveis ou privilégios arraigados. Num lance recente, congressistas se articularam, não sem o apoio da grande maioria dos partidos, para aprovar uma lei contra o abuso de autoridade, proposta que, embora baseada em princípio importante, fora concebida de forma nitidamente casuística para enfrentar a Lava Jato, operação que, apesar dos exageros e arbitrariedades, começa a mudar a cultura da impunidade no Brasil.

Agora, um dia depois da condenação do ex-presidente Lula, um ilustre representante de seu partido, o parlamentar petista Vicente Cândido (SP), relator da reforma política na Comissão Especial na Câmara, decidiu apresentar um artigo à proposta, já apropriadamente chamado de “Emenda Lula”, cujo objetivo é impedir que políticos sejam presos até oito meses antes do pleito. A proposta do deputado altera o artigo 236 do Código Eleitoral, que proíbe a prisão 15 dias antes da eleição, outra regalia injustificável. O “Cândido” deputado quer criar uma espécie de habilitação prévia para as candidaturas.

Assim, o político teria que pedir um certificado à Justiça Eleitoral entre os dias 1º e 28 de fevereiro do ano da eleição e, com o documento, ganharia uma espécie de “salvo-conduto” que o impediria de ser preso daquela data até dois dias depois do pleito. Pior do que a “Emenda Lula” é o soneto, dado em forma de explicação pelo deputado. Pressionado a justificar a vergonhosa proposta, o parlamentar disse que a iniciativa pode, de fato, beneficiar Lula, mas seu propósito é muito mais amplo e generoso: o que ele quer, na verdade, é blindar políticos investigados.

A tese foi brandida com a mesma sem cerimônia pelo líder do PT na Câmara, Carlos Zaratini (SP), que vira e mexe aparece no noticiário atacando os métodos imorais de adversários como o presidente Michel Temer (PMDB). “Essa proposta não é para Lula e sim para todos os candidatos. Para dar uma maior segurança ao processo eleitoral”, justificou-se o defensor da moral e dos bons costumes no Congresso. A que ponto chegou o PT! Para proteger sua liderança máxima, condenada por corrupção passiva e lavagem de dinheiro em um dos cinco processos a que responde, quer permitir que outros condenados ou corruptos possam participar livremente do processo eleitoral.

Dessa forma, o partido que se proclama popular se lança no maior ataque a um anseio popular que se tornou regra em 2010. Trata-se da Lei da Ficha Lima, legislação resultante de um projeto de lei de iniciativa popular que proíbe políticos condenados em decisões colegiadas de segunda instância de se candidatarem e começa a produzir seus primeiros efeitos na direção da melhoria da representação política do país, uma medida que precisa ser incentivada e aperfeiçoada e não combatida. Depois o PT se indigna ante acusações de que, na prática, se tornou uma organização criminosa.

* Artigo publicado originalmente no jornal Tribuna da Bahia

Raul Monteiro*
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