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Ben Bradley, o editor que fez história 23 de outubro de 2014 | 12:35

Ben Bradlee, o editor do século, por Raul Monteiro

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Benjamin Bradlee, morto na última terça-feira aos 93 anos, foi o que se pode chamar de editor do século XX e provavelmente do atual. Protagonizou a mais bem-sucedida parceria que um jornalista poderia ter empreendido com o proprietário de um jornal e esta pode ser apontada como a principal responsável pelo grande ícone editorial em que The Washington Post se transformaria no mundo, fazendo ascender a estrela de seus repórteres, editores, colaboradores e donos por décadas.

Para a redação, Bradlee só exigiu autonomia de Katharine Graham para tocar o jornal que ela herdara do pai, um próspero financista de origem judia, e, após a morte do marido, Phil, queria transformar numa empresa sustentável em meio ao ultracompetitivo mercado jornalístico americano. O grito que deu na dona do veículo para que o deixasse trabalhar com liberdade, num dos momentos mais críticos da história da publicação, ecoou por anos no velho prédio em que o Post foi erigido em Washington.

Foi um bloqueio contra a ingerência de Katharine que a rica e sofisticada viúva cuja formação intelectual se dera na Europa teve sensibilidade e astúcia suficientes para compreender como essencial para a consolidação de seu jornal, seus negócios e seu poder empresarial e pessoal na capital da república norte-americana. Quando os dois jovens repórteres empoderados por Bradlee investiram nas investigações que derrubariam o presidente Richard Nixon, Katharine apoiou abertamente seu editor.

Os dois venceriam juntos, lado a lado, a batalha contra um presidente acuado – e revoltado contra o Post – pelas denúncias de espionagem a adversários, transformando-se na dupla mais respeitada – e temida – do jornalismo no mundo. Katharine, a Grande, como a biografou sem autorização Deborah Davis, delegou a Ben Bradlee a formação de seu primogênito Donald Graham, que assumiria o controle do jornal com ela ainda viva e o venderia, anos depois de sua morte, sob forte comoção da elite jornalística mundial, no ano passado, a Jeff Bezos, dono da Amazon.

Foi Ben e Donald que enfrentaram uma multidão de repórteres exaltados pela concorrência quando decidiram, num ato de dignidade, devolver um dos 17 prêmios Pulitzer que o Post ganhou sob seu comando, resultado de uma reportagem fascinante produzida por uma jornalista da casa que descobriram ter sido floreada com dados falsos. Ben desconfiou da repórter, investigou seu trabalho internamente e concluiu que anunciar a renúncia à premiação era o melhor a fazer. Em suas memórias, a senhora Graham reviveria a emoção daquele momento enfrentado pela família Post.

Além de reforçar a confiança dos leitores no Post, a iniciativa promoveu uma grande reflexão no país da imprensa livre sobre as consequências nefastas do crescimento desenfreado da competivividade interna nos veículos de comunicação. O prestígio fez com que Ben privasse do convívio do presidente John Kennedy até seu assassinato e, de uma posição privilegiada, pudesse reprovar justificadamente o comportamento esnobe de sua mulher, Jacqueline, como desabafou com simplicidade em “A Good Life”, a autobiografia de um jornalista verdadeiramente realizado.

O lendário editor executivo do Post fora amado e admirado por muitos repórteres e editores porque, apesar do nível de exigência com que trabalhava, sabia respeitá-los a todos, reconhecendo os limites de um trabalho essencialmente intelectual e de mediação cuja força reside na busca incansável, precária e difícil de valores nobres como a verdade e a isenção. Em reconhecimento a Ben, o Post fez em sua edição de ontem um tributo memorável a ele, transformando a notícia de sua morte em manchete.

Raul Monteiro
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