BHP é condenada em Londres por tragédia ambiental em Mariana (MG)
Justiça britânica vê responsabilidade da mineradora anglo-australiana, dona da Samarco em joint-venture com a Vale, por desastre
Por Redação
14/11/2025 às 10:17
Foto: Márcia Foletto/Divulgação/Arquivo
Trem da Vale
Dez anos após a maior tragédia ambiental da história do Brasil, uma decisão da Justiça britânica determinou a responsabilidade da anglo-australiana BHP pelo desastre em Mariana, que matou 19 pessoas e espalhou lama tóxica por quase 700 km de Minas Gerais até o oceano Atlântico.
A partir de outubro do ano que vem a mesma Suprema Corte começará a decidir quem poderá receber indenização e quanto. Estima-se que o volume de compensações possa chegar a R$ 260 bilhões.
Dois dias de audiência em dezembro foram marcados para organizar o futuro andamento do processo. São cerca de 620 mil litigantes, dezenas de entidades e municípios, e estima-se um prazo de três a cinco anos para o pagamento de indenizações.
A juíza Finola O'Farrell afirmou em um resumo de sua decisão que a BHP não deveria ter continuado a aumentar a altura da barragem antes de seu colapso. O procedimento, segundo a sentença, foi "uma causa direta e imediata do colapso da barragem, dando origem à responsabilidade da BHP".
A empresa afirmou em comunicado que pretende recorrer da decisão e que "reforça seu compromisso com o processo de reparação no Brasil". Lembra que, desde 2015, já desembolsou cerca de R$ 70 bilhões em valores pagos diretamente a afetados, "incluindo 240 mil autores da ação no Reino Unido".
"A Corte confirmou a validade dos acordos celebrados, o que deverá reduzir significativamente o tamanho e o valor da ação em curso." Também em comunicado, a Vale fez observação semelhante, dizendo que a decisão "confirmou a validade das renúncias e liberações assinadas pelos requerentes já indenizados no Brasil, o que reduzirá o número de requerentes [na ação coletiva em Londres] e o valor das reivindicações".
"Esse caso abre um precedente internacional e vai balizar outras ações", disse Thomas Goodhead, advogado e autor da tese que levou o caso à Suprema Corte do Reino Unido. "É um passo relevante para fazer justiça às vítimas e mostra a efetividade da litigância internacional."
No Judiciário brasileiro, o Ibram, entidade que reúne as mineradoras do país, foi ao STF para contestar os contratos de risco assinados por prefeituras da região com o escritório Pogust Goodhead, responsável pela acusação na Inglaterra. Nesta semana, o escritório desistiu de uma ação contra a entidade em Londres, mas a sentença desta sexta-feira confirma a legitimidade do pleito dos municípios no Reino Unido. Neste momento, 31 cidades fazem parte do processo.
A decisão britânica determina ainda que o alcance de qualquer quitação assinada por pessoas que aderiram a programas de compensação depende de seus termos e deve ser interpretada à luz do Código Civil brasileiro.
No curso do julgamento, a BHP alegou que não poderia ser responsabilizada por ações de uma subsidiária, no caso a Samarco, uma joint-venture com a brasileira Vale, que tinha administração própria e independente. A juíza refutou a interpretação, afirmando que qualquer pessoa física ou jurídica direta ou indiretamente responsável por atividade poluidora é tratada como poluidora, de acordo com a legislação ambiental brasileira.
Especializada em casos transnacionais, o tribunal liderado por O'Farrell sempre usa o arcabouço legal dos países envolvidos para guiar suas decisões.
A empresa também tentou mostrar que não houve negligência no manejo da barragem do Fundão. Na sentença, de 222 páginas, a juíza diz ter identificado provas incontestáveis de que a barragem era instável e que o risco de liquefação e ruptura era previsível e evitável.
Pouco depois do início das audiências em Londres, em outubro do ano passado, a Samarco foi absolvida pela Justiça Federal brasileira, junto com outros sete réus. O Ministério Público Federal recorre da decisão.
Também há um ano, as empresas alcançaram um acordo de repactuação, mediado pelo governo federal. Pelo acerto, as mineradoras aceitaram arcar com R$ 170 bilhões, sendo R$ 100 bilhões geridos pelo BNDES, a serem pagos em 20 anos a municípios, estados, famílias e organizações atingidas.
Outros R$ 32 bilhões referem-se a obrigações ainda a serem cumpridas pela Samarco —como a retirada de rejeitos do rio Doce e indenizações a pessoas atingidas— e mais R$ 38 bilhões em valores supostamente já investidos pela Fundação Renova, entidade responsável pela reparação dos danos da tragédia e que foi extinta com o acordo.
Não está claro ainda como os processos de indenização no Brasil e no Reino Unido irão conviver. Na sentença desta sexta, ao mesmo tempo que reconhece a existência dos acordos celebrados no Brasil, a juíza afirma que vítimas podem apresentar ações até setembro de 2029 e que alguns autores podem se beneficiar de prazos ainda mais longos, conforme as circunstâncias.
"Esta decisão envia um recado claro para multinacionais no mundo todo. Não é possível ignorar o dever de cuidado e simplesmente se afastar da destruição causada", declarou Alicia Alina, CEO do Pogust Goodhead.
Na Bolsa de Londres, as ações da BHP caíam 3,7% às 12h locais.
