Lucas Faillace Castelo Branco

Direito

Lucas Faillace Castelo Branco é advogado, mestre em Direito (LLM) pela King’s College London (KCL), Universidade de Londres, e mestre em Contabilidade pela Universidade Federal da Bahia (UFBA). É ainda especialista em direito tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (IBET) e em Direito empresarial (LLM) pela FGV-Rio. É diretor financeiro do Instituto dos Advogados da Bahia (IAB) e sócio de Castelo e Dourado Advogados.

O utilitarismo

Como se julga se uma ação é boa ou má? Teorias diferentes podem trazer respostas diferentes para uma mesma situação, e nenhuma delas é capaz de fornecer respostas incontroversas. Sequer a regra de ouro, muito citada, segundo a qual não se deve tratar o outro como não se gostaria de ser tratado, se sustenta. Se meu vizinho ama ouvir pagode nas alturas durante o domingo, a aplicação da regra implica que ele está moralmente autorizado a fazê-lo, pois minha atitude de ouvir pagode alto no domingo certamente não o incomodaria.

Dentre as teorias éticas, destaca-se o utilitarismo, cujos principais fundadores foram os ingleses Jeremy Bentham e John Stuart Mill. O utilitarismo é uma forma de consequencialismo, com algumas peculiaridades. Maquiavel era um consequencialista, notadamente no campo político. Se uma ação serve para conquistar o poder ou manter o poder, ela deve ser praticada pelo príncipe. Assim, se a circunstância recomenda a uma ação boa para atingir os objetivos colimados, ela deve ser praticada; se recomenda uma má, também.

Porém, pela ética utilitarista, julgam-se as ações pela sua capacidade de promover um bem de interesse geral da sociedade, tido como ínsito à natureza humana, que é o bem-estar ou felicidade. A rigor, felicidade aqui está associada ao prazer. Uma ação é considerada boa se dela resulta o bem-estar do maior número de pessoas. Portanto, não é o caráter da pessoa (ética da virtude) ou qualidades intrínsecas da ação (deontologia) que pautam o julgamento.

Há uma associação do utilitarismo com os princípios democráticos (e seus ilustres fundadores o eram), na medida em que cada pessoa é individualmente considerada para o cálculo da soma do bem-estar, bem como pelo fato da ação boa levar em consideração o bem-estar do maior número de pessoas (maioria).

O utilitarismo ganhou vários adeptos porque ofereceu, dentre outras coisas, um sistema moral cujas bases não precisavam assentar-se em justificativas divinas, exatamente em uma época de desponte da ciência em face do desprestigio da religião. Regras morais, para serem aceitas, precisam de uma explicação, e a vontade de Deus por muito tempo foi invocada para tanto. Com o utilitarismo, as regras morais não são absolutas e sua justificativa e aceitabilidade advêm do reconhecimento dos efeitos sociais benéficos.

A regra de que não se deve mentir, por exemplo, não possui em si mesma nenhum valor intrínseco, e pode ser flexibilizada ante as circunstâncias. Dessa forma, mentir pode ser uma ação moralmente aprovável caso seus efeitos promovam a felicidade do maior número, tal como mentir para salvar uma vida. Similarmente, se faço uma promessa de encontrar-me com alguém e, no trajeto, deparo-me com uma pessoa em perigo de vida, o cálculo utilitarista aconselha o descumprimento do compromisso do encontro em face da eliminação de um sofrimento maior.

O utilitarismo de Mill não prescinde completamentedas regras morais. Saber dos efeitos das várias ações possíveis em abstrato e escolher aquela que traz melhor resultado, sem nenhum referencial, é por demais penoso, e as regras morais, sem serem absolutas, prestam-se a orientar a ação, pois nelas estão incorporadas experiências passadas que ditam que tipo de ação normalmente gera a felicidade do maior número. Assim, voltando o exemplo citado, a experiência informa que cumprir promessas traz os melhores resultados sociais, daí a regra moral, o que não significa dizer que ela deve ser aplicada em toda e qualquer circunstância.

Por outro lado, o utilitarismo é criticado por justificar ações que feririam o sentimento de justiça de muitos. A tortura estaria plenamente justificada com o objetivo de salvar vidas. Os bombardeamentos de Hiroshima e Nagasaki, como forma de por um ponto final na Segunda Guerra, não levantariam questionamentos morais, ainda que com o sacrifício de inocentes. A violação de normas jurídicas, como a do devido processo legal, com o objetivo de por um criminoso na cadeia, também. Pessoas com más intenções, cujos ações tenham, por acidente, ocasionado bons resultados, passariam incólumes de julgamento moral.

O fato é que, apesar de seus defensores alegarem o caráter científico do utilitarismo, o que seja a felicidade para o maior número de pessoas e a qualificação positiva ou negativa dos efeitos não deixam de adentrar na subjetividade do julgador. Ademais, qual é o horizonte temporal a ser considerado para se julgar uma ação com base em seus efeitos? Toda ação produz um estado de coisas que, por sua vez, produz um moto-contínuo de efeitos. A prisão de um perigoso criminoso que não seria jamais preso sem a obtenção de uma prova ilícita, por exemplo, traz benefício social imediato. E a longo prazo (e o que deve ser considerado longo prazo?), a prática não ocasionaria efeitos sociais nocivos?

O utilitarismo não é uma panaceia, mas certamente pode ser usado (e é, por todos nós) em muitas situações da vida.

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