Elias de Oliveira Sampaio

Políticas Públicas

Economista do Ministério da Economia. Mestre em Economia e Doutor em Administração Pública pela UFBA. Autor de diversos trabalhos acadêmicos e científicos, dentre eles o livro Política, Economia e Questões Raciais publicado - A Conjuntura e os Pontos Fora da Curva, 2014 a 2016 (2017) e Dialogando com Celso Furtado - Ensaios Sobre a Questão da Mão de Obra, O Subdesenvolvimento e as Desigualdades Raciais na Formação Econômica do Brasil (2019). Foi Secretário Estadual de Promoção da Igualdade Racial (Sepromi) e Diretor-presidente da Companhia de Processamento de Dados do Estado da Bahia (Prodeb), Subsecretário Municipal da Secretaria da Reparação de Salvador (Semur), Pesquisador Visitante do Departamento de Planejamento Urbano da Luskin Escola de Negócios Públicos da Universidade da Califó ;rnia em Los Angeles (UCLA), Professor Visitante do Mestrado em Políticas Públicas, Gestão do Conhecimento e Desenvolvimento Regional da Universidade do Estado da Bahia (Uneb). Professor, Coordenador do Curso de Ciências Econômicas e de Pesquisa e Pós-Graduação do Instituto de Educação Superior Unyahna de Salvador.

O silêncio dos inocentes

A saída prematura de Dilma Rousseff do poder em 2016, encerrando o ciclo do PT na gestão do governo federal depois de 14 anos, parecia indicar uma espécie de “fim da história” para as pretensões de muitos dos pré-candidatos a presidência da república em 2018 alinhados ao chamado projeto da centro-esquerda brasileira. A queda da petista faltando pouco mais de dois anos para a disputa majoritária nacional e a crise que se abateu sobre o seu partido, sugeria que seriam favas contadas o retorno da centro-direita ao poder central, capitaneado pelo fortalecimento da aliança entre democratas e tucanos, desta vez catalisada pelos peemedebistas que, juntos, engendraram o golpe jurídico parlamentar que derrubou a presidente.

No entanto, muitas pedras têm aparecido pelo caminho e o interregno de Temer a frente do poder central deverá ficar para história como um dos períodos mais tumultuados da vida política do país. Para além da falta de legitimidade para usar a faixa presidencial sem o desconforto da pecha de golpista, o seu governo é algo estarrecedor tanto do ponto de vista do desmonte das políticas públicas que tratam dos interesses estratégicos da maioria da população brasileira, quanto no que diz respeito a um nível nunca antes visto de corrupção endêmica em tempo real e sincronicamente ao exercício de um mandato presidencial, cujo titular e sua entourage estão sendo acusados pela Procuradoria Geral da República da prática de crimes comuns, como formação de quadrilha e obstrução da justiça, tal qual alguns conhecidos lideres do crime organizado do eixo Rio e São Paulo.

Por isso, nesse seu pouco tempo de governo, as suas tarefas à frente da presidência da república estão todas subordinadas a três pilares espúrios de uma magnitude inimaginável, quais sejam, salvar-se das denúncias desses crimes; salvar o que resta da sua turba palaciana dos destinos que muitos de seus amigos de primeira hora já estão experimentando nos presídios de Brasília, Curitiba e Rio de Janeiro e, destruir, sob o discutível pretexto de ajuste fiscal e modernização econômica, as estruturas e os arranjos do estado de bem-estar social que ainda restaram no Brasil. Exceto pela gestão da moeda e dos juros feita pelo Banco Central, todo o seu governo, vem sendo pautado por aqueles pilares que, ao fim e ao cabo, também são do interesse de 99% dos membros das casas legislativas que estão tão ou mais envolvidos em situações pouco republicanas como o Senhor Presidente. Essa é a explicação para a “blindagem” de Temer diante da sua popularidade subterrânea e das denúncias que pululam diariamente na imprensa, nas cortes superiores e no congresso.

No entanto, considerando que as forças mais progressistas também se encontram em total desorganização frente a necessidade de exorcismo de seus próprios demônios, o ano eleitoral vindouro encontra-se totalmente em aberto no que diz respeito qual será o campo político que deverá despontar como possível ocupante da presidência da república a partir de 2019. As pesquisas de opinião tem reiteradamente apontado que apesar de todo o desgastante processo que vem passando o PT e o presidente Lula, em especial, a competitividade do partido e de sua maior liderança política, ainda está no imaginário de boa parte da população brasileira e se a eleição fosse hoje, os números indicam que ele venceria todos os concorrentes pesquisados no primeiro e no segundo turno. Mas, contrariando muitos desejos, nem as eleições serão hoje e nem muito menos sabemos se Lula será, de fato, candidato nas próximas eleições.

Isto é, se quisermos tratar as coisas com a devida honestidade, é imperativo admitir que as condições objetivas da conjuntura política não nos permite afirmar com um razoável grau de racionalidade, que a candidatura Lula será mantida em 2018 e, como corolário, se a sua competitividade e a do PT serão sustentáveis da forma que ora ainda está sendo colocada pelas aferições estatísticas. Indiscutivelmente, é esse o maior dilema que as forças progressistas brasileiras estão passando nesse momento e, por isso, talvez esteja chegando a hora de trazer à baila alguns debates que, a despeito de inúmeras negativas públicas, tem sido travados nos núcleos mais duros e estratégicos dos diversos campos políticos que conformam o que chamamos de centro-esquerda no país. Por exemplo, cabe-nos perguntar se realmente existe alguma a alternativa eleitoral competitiva para esse agrupamento político no caso de uma possível ausência de Lula na chapa majoritária e do arrefecimento dos problemas que vem sendo enfrentados pelo PT?

Não admitir isso publicamente pode até ser encarado como parte da tática eleitoral em curso por parte dos diversos atores que compõe esse espectro político, mas, não considerar essa possibilidade de forma responsável e coerente com a história de luta de vários dos participantes do processo de transformação que vinha se dando no Brasil após o processo de redemocratização, não nos parece algo razoável, ou minimamente honesto, para as centenas de milhares de cidadãos que vem depositando a fé em um governo de base popular e democrática desde 1989. O fato é que a menos de um ano para as próximas eleições gerais, esse debate não pode mais ficar restrito aos gabinetes e as salas de situação institucionalizadas, as quais, a cada dia, estão mais distanciadas das bases populares que foram as principais responsáveis pelas sucessivas eleições da centro-esquerda desde 2002.

Além disso, se observarmos o que vem sendo operado pela banda política conservadora e reacionária interessada em subir a rampa do palácio do planalto em 2019, devemos atentar para um franco movimento em prol da criação de uma frente contra o PT e seus aliados históricos como forma de aproveitar a grande janela de oportunidade para que as forças que foram alijadas do poder em 2002 voltem a ele através do voto popular e num ambiente muito propício a retrocessos democráticos como está a ocorrer em várias partes do mundo. De fato, mesmo que Temer e a sua banda do PMDB sejam cartas fora do baralho na composição da chapa majoritária nacional, o seu governo deverá se organizar ao redor da composição PSDB/DEM, tendo como ponto de partida (como sempre) os interesses de São Paulo e do “sul maravilha”.

Como linha auxiliar desse processo, estarão todos os partidos anti-PT capitaneado pela candidatura do reacionaríssimo Jair Bolsonaro, de Marina Silva com sua peculiar ambiguidade ideológica e, a cada vez mais curiosa e perigosa, agitação do apresentador da rede globo Luciano Hulk. Completando o fundo de cena, o arremedo de reforma eleitoral aprovado pelo congresso nacional surge como mais um elemento motivador para o lançamento de candidaturas próprias por parte daqueles partidos que tenham o mínimo de musculatura para enfrentar um pleito nacional. No ambiente crítico e de quebra de “hegemonias” que ora estamos, a tendência é que esses partidos não abram mão do quinhão que lhe caberá do fundo público eleitoral para se agregar a qualquer outro partido, ainda no primeiro turno, em uma eleição que provavelmente só será decidida no segundo turno. Por outro lado, mesmo se considerarmos a possibilidade de alianças em torno de um nome da centro-esquerda para fazer esse enfrentamento, existe uma difícil questão que deverá ser colocada a mesa o quanto antes, qual seja, em que lado, em nível nacional e regional, estarão os partidos que hoje são base de apoio do chamado governo golpista de Michel Temer e que, paradoxalmente e há muito pouco tempo atrás, também faziam parte da base de apoio e da própria gestão dos governos Lula/Dilma?

Não sabemos em que nível essa variável está fazendo parte da conta dos estrategistas de plantão, mas, daqui de onde observamos, achamos muito difícil que a sociedade brasileira aceite com bom grado os mesmos arranjos espúrios que trouxeram ao país a crise política e econômica que ora estamos a experimentar, apenas por amor a causa de um projeto inconcluso por conta do golpe, mas também, pelas flagrantes contradições internas e de alguns de seus arautos. O silêncio, a apatia e o desalento das ruas diante dos péssimos números registrados nas pesquisas sobre a performance do governo e do presidente, pode reservar muitas e desagradáveis surpresas nas próximas eleições.

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