Elias de Oliveira Sampaio

Políticas Públicas

Economista do Ministério da Economia. Mestre em Economia e Doutor em Administração Pública pela UFBA. Autor de diversos trabalhos acadêmicos e científicos, dentre eles o livro Política, Economia e Questões Raciais publicado - A Conjuntura e os Pontos Fora da Curva, 2014 a 2016 (2017) e Dialogando com Celso Furtado - Ensaios Sobre a Questão da Mão de Obra, O Subdesenvolvimento e as Desigualdades Raciais na Formação Econômica do Brasil (2019). Foi Secretário Estadual de Promoção da Igualdade Racial (Sepromi) e Diretor-presidente da Companhia de Processamento de Dados do Estado da Bahia (Prodeb), Subsecretário Municipal da Secretaria da Reparação de Salvador (Semur), Pesquisador Visitante do Departamento de Planejamento Urbano da Luskin Escola de Negócios Públicos da Universidade da Califó ;rnia em Los Angeles (UCLA), Professor Visitante do Mestrado em Políticas Públicas, Gestão do Conhecimento e Desenvolvimento Regional da Universidade do Estado da Bahia (Uneb). Professor, Coordenador do Curso de Ciências Econômicas e de Pesquisa e Pós-Graduação do Instituto de Educação Superior Unyahna de Salvador.

Nem República de Bananas, nem República de Togados

Renan Calheiros não merece nenhum tipo de condescendência enquanto figura pública no que se refere aos processos abertos contra ele no STF, inclusive, aquele ensejou o recente pedido de afastamento da função de presidente do Senado. Também presidente do Congresso Nacional, ele faz parte de uma significativa maioria de políticos, nos quatro níveis de governo, que tem chegado e se perpetuado no poder através de formas escusas, ilegítimas e até mesmo ilegais. No entanto, retirá-lo da Presidência da Câmara Alta do poder legislativo federal a partir de uma decisão monocrática e precária, como tentou fazer o Ministro Marcos Aurélio Melo, é apenas mais uma das decisões politicamente atabalhoada que tem sido inspirada e catalisada pelos efeitos “reformadores” dos ungidos meninos brancos de Curitiba, cujos métodos tem espraiados nacionalmente, configurando-se, inclusive, como a tessitura de uma república de togados para dar rumo aos destinos da nação.

Isso não significa dizer que consideramos o Ministério Público, setores do poder judiciário e órgãos de controle e, em especial, a operação lava jato e seus desdobramentos, os arautos dos males dos últimos tempos e elemento central da atual crise que passamos. Ao contrário, apesar de todos os problemas criados diretamente, ou por influência, que a conjunção da ação dessas instituições e os seus representantes para alguns processos políticos, como o controverso impeachment de Dilma Roussef, e econômicos , como a paralisia das expectativas de importantes agentes econômicos, que tem vitaminado a crise instalada há mais de três anos, o “efeito lava jato” tem quebrado importantes paradigmas que não deixará o país ser o mesmo depois de sua existência, para o bem ou para o mal.

O um dos principais deles é o devido encarceramento por corrupção de um dos príncipes do capitalismo brasileiro Marcelo Odebrecht, por mais de um ano, o que tem forçado vir a baila a mais cristalina visão das engrenagens endógenas de um histórico e profundo processo de corrupção e suas intrínsecas relações entre corruptos e corruptores, no âmbito privado e público. Por seu turno, o número de políticos e ex ocupantes de maiores espaços de poder presos ou portadores de tornozeleiras eletrônicas já vista em nossa história, reflete de forma inequívoca e para além do simbólico, que de fato, o crime não mais compensará ao menos como outrora, uma vez que não deixa de ser emblemático o país registrar, em tempo real, a prisão e a subjugação de dois ex governadores do segundo estado mais ricos do país como criminosos comuns, por exemplo.

Toda essa situação, longe de nos deixar alegres e satisfeitos por uma possível sensação de justiça, nos deixa bastante apreensivos pela contaminação que o ambiente social e econômico tem sofrido por esse elã vingativo e justiceiro que tem impregnado a cabeça de boa parte da população brasileira quando a discussão perpassa pela prisão ou apontamento de culpa de políticos, baseadas em provas e com o devido processo legal, ou não.

Com efeito, a histérica afirmação dos coordenadores da operação lava jato de que não “tinham provas mas tinha convicções” para atribuir culpa ao Presidente Lula no processo do chamado petrolão, a condução coercitiva do ex ministro Guido Mantega, retirado do lado do leito do hospital onde estava sua esposa vitima de câncer por determinação do Juiz Sérgio Moro e agora, a tentativa de deposição monocrática do presidente do congresso nacional, há menos de 15 dias do término de seu mandato, através de um instrumento precário pelo ministro Marco Aurélio, são exemplos mais do que suficientes para motivar preocupações sobre a ponto que chegamos e, principalmente, onde queremos chegar, enquanto uma nação que se diz sustentada pelo estado democrático de direito.

Obviamente que essa não é uma questão jurídica, stricto sensu e sim uma discussão política no sentido mais amplo e forte do que essa palavra pode significar, a despeito de ser baseada em questões de legalidade. A profundidade dos erros, dos mal feitos e mesmo dos crimes que foram cometidos por muitos que hoje estão sendo acusados de forma legitima não é de desconhecimento geral e muito menos questões que possam ser jogadas para debaixo do tapete ou resolvidas a partir do velho jeitinho brasileiro. Mas, pelos rumos dos acontecimentos que vem ocorrendo no país é imperativo que haja uma robusta reflexão sobre os limites e as consequências das decisões tomadas por pessoas que, por dever de ofício, vivem num mundo à parte, como é o caso do “olimpo” da magistratura em todas as suas instâncias.

Não é a toa a existência da velha piada de que enquanto os juízes acham que são deuses, desembargadores e ministros do STF têm certeza que o são. Galhofa a parte, o que está se vendo nos últimos meses no Brasil já é um desdobramento evolutivo dessa assertiva; não só os juízes, mas os procuradores da república passaram também a ter certeza das suas respectivas divindades, tanto que uma das medidas mais discutíveis do projeto anti corrupção patrocinado por eles seria a criação do tal “informante do bem”, o qual, seria nada mais, nada menos, do que uma espécie de X9 da sociedade, personagem cuja criação só poderia sair de mentes cuja lógica de raciocínio seja pautada por um poderoso processo de maniqueísmo institucionalizado.

Por isso, por mais contraditório que possa parecer, a resistência de Renan Calheiros e da mesa diretora do Senado quanto a sua deposição da presidência, assim como a desfiguração das medidas de combate a corrupção pela Câmara de Deputados, apesar de serem medidas de proteção individualista e corporativa, são também medidas reativas a um movimento que por mais legitimo que seja, está impregnado de sentimentos tipicamente messiânicos, que não podem pautar, os destinos de uma nação que se diz democrática e que pelas regras dessa democracia, elegeu representantes para tratar dos seus destinos coletivos, por piores que sejam.

Pedagogicamente, o que está acontecendo no país é que a crise moral e de representatividade que vem se desdobrando nos últimos anos, além de ter sorvido governantes, lideranças políticas e reputações, também está revelando as fragilidades pessoais e institucionais que até então operavam sob redomas de poder de difícil compreensão para grande maioria da nossa população. No Brasil de hoje, sabe-se o nome de todos os ministros do STF e suas orientações ideológicas; a cúpula do Ministério Público Federal e suas idiossincrasias e o nome de juízes federais de Curitiba, do Rio de Janeiro, de São Paulo e de qualquer outro Estado cujo teor de suas decisões dizem respeito ao atual ambiente critico que vive o país.

A despeito da fragilidade técnica da peça elaborada pelo ministro relator, revelada no voto dos ministros discordantes, a decisão da manutenção de Renan Calheiros na Presidência do Senado feita pelo plenário do STF, derrubando a açodada liminar do ministro Marco Aurélio, é acima de tudo uma vitória da Política e como corolário, demonstra também, os limites das pessoas e das instituições que, por mais poderosa e acima do bem e do mal que elas possam crer e parecer estar, definitivamente, não são deuses!

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