Elias de Oliveira Sampaio

Políticas Públicas

Economista do Ministério da Economia. Mestre em Economia e Doutor em Administração Pública pela UFBA. Autor de diversos trabalhos acadêmicos e científicos, dentre eles o livro Política, Economia e Questões Raciais publicado - A Conjuntura e os Pontos Fora da Curva, 2014 a 2016 (2017) e Dialogando com Celso Furtado - Ensaios Sobre a Questão da Mão de Obra, O Subdesenvolvimento e as Desigualdades Raciais na Formação Econômica do Brasil (2019). Foi Secretário Estadual de Promoção da Igualdade Racial (Sepromi) e Diretor-presidente da Companhia de Processamento de Dados do Estado da Bahia (Prodeb), Subsecretário Municipal da Secretaria da Reparação de Salvador (Semur), Pesquisador Visitante do Departamento de Planejamento Urbano da Luskin Escola de Negócios Públicos da Universidade da Califó ;rnia em Los Angeles (UCLA), Professor Visitante do Mestrado em Políticas Públicas, Gestão do Conhecimento e Desenvolvimento Regional da Universidade do Estado da Bahia (Uneb). Professor, Coordenador do Curso de Ciências Econômicas e de Pesquisa e Pós-Graduação do Instituto de Educação Superior Unyahna de Salvador.

Interseccionalidade Forçada

Na semana passada o Governo Federal concluiu a tão discutida reforma administrativa. No campo das estruturas institucionais voltadas para garantia de direitos, como as secretarias com status de ministério de Políticas de Promoção da Igualdade (SEPPIR), dos Direitos Humanos (SDH) e Para Mulheres (SPM), a mudança foi paradigmática.
A Presidenta foi feliz em manter na direção da nova estrutura, a Ministra que dirigia a SEPPIR. Exceto pelo nome de Benedita da Silva, as alternativas ventiladas seriam muito problemáticas. O fato é que recaiu sobre a gestora uma oportunidade ímpar no que se refere as inúmeras possibilidades que existem ao implantar um organismo inédito que pode significar, positivamente, algo que há muito tempo os Movimentos Sociais, o Movimento Negro e o Movimento de Mulheres Negras, em especial, já apontavam como uma necessidade para dar maior eficácia às das políticas públicas: aprofundar o debate sobre a interseccionalidade nas ações voltadas para garantia de direitos.

Em termos de políticas públicas é imperativo considerar a interdependência das relações históricas de poder no contexto das relações raciais, sexuais, de gênero e classe. O efeito do racismo, sexismo, da homofobia e a profunda desatenção sobre os direitos humanos em geral, recaem com mais força em grupos e/ou em indivíduos com características muito específicas. Quando a observação é feita sobre indicadores que representam prejuízo a pessoas ou grupo de pessoas, a hierarquia dos números se dá na seguinte ordem, no sentido do maior prejuízo para o menor prejuízo: a mulher negra, seguida do homem negro, da mulher branca e, finalmente, do homem branco.

Quando se trata de indicadores positivos, especialmente aqueles que indicam empoderamento econômico, político e social, a ordem se inverte completamente: o homem branco, em quase todas as situações, é sempre o principal beneficiário e, a mulher negra, no lado oposto. No caso brasileiro, um aspecto interseccional importante de ser observado para além do que discutimos anteriormente, é a morte violenta dos jovens negros. Os dados estudados há décadas demonstram a existência de um processo de extermínio de jovens negros pobres e moradores dos bairros periféricos, particularmente nas idades de 15 a 27 anos. A idade, raça, pobreza e localização espacial de moradia e/ou trabalho vem se constituindo num dos principais aspectos interseccionais para o risco de morte para juventude no Brasil.

Saliente-se que mesmo nesses casos, indiretamente, são as mulheres negras os alvos principais dos mais duros efeitos desse fenômeno. São elas que, a cada final de semana, estão nos necrotérios para identificar filhos, maridos, irmãos ou pais de seus filhos que simplesmente não voltam para casa. São elas, também, que vagam de hospital em hospital, delegacia em delegacia, “bocadas em bocadas”, na busca de jovens desaparecidos, muitos deles vítimas de violência institucional ou da negligência do poder público de uma forma geral. Finalmente, são elas que incansavelmente recorrem a imprensa e aos órgãos de defesa de direitos para pedir justiça e reparação.
Esse é panorama mais concreto da realidade da maioria do Povo Negro brasileiro.

E é por tudo isso que a junção desses três ministérios não se constitui em algo simples ou uma mera dança de cadeiras para atender os ditames da governabilidade, como é comum em outras áreas da intervenção política. Ao contrário, o fim daqueles Ministérios, como os conhecíamos, e da SEPPIR, em especial, é algo muito caro para a história Movimento Negro e para os avanços que foram alcançados nos últimos anos. Para aqueles que possam imaginar ser possível alienar-se sobre esse contexto, enebriar-se com uma perspectiva egoica de poder desproporcional com as verdadeiras bases de sustentação política, sugere-se cuidarem-se, também, para não se transformarem nos “atores privilegiados” para jogarem a última pá de cal sobre tudo que foi construído nos últimos anos, em termos de políticas públicas orientadas pelo Movimento Negro.

Uma primeira lição já foi dada quando após dez meses de gestão, seja por fatores políticos reais ou não, a instituição que tentou sintetizar toda uma história política, inclusive, o que foi trazido de Durban, foi extinta sem ter concluído as importantes tarefas que lhes foram outorgadas pela maioria da sociedade. Mais uma vez, resta partir para a luta e atentar para contingências do jogo que está sendo jogado; mesmo porque, ao garantir a presença de uma Mulher Negra a frente do novo Ministério, o Governo Federal criou a condição necessária para que os atores sociais envolvidos nessa questão possam operar de forma mais eficaz sobre os problemas que tornam cada vez mais vulneráveis os grupos sociais e os indivíduos que devem ser os principais beneficiários dessas políticas. Pensar diferentemente disso, é incorrer no risco de transformar o novo Ministério das Mulheres, Igualdade Racial e Direitos Humanos num verdadeiro “invertebrado gasoso” para os interesses da maioria do povo brasileiro.

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