Elias de Oliveira Sampaio

Políticas Públicas

Economista do Ministério da Economia. Mestre em Economia e Doutor em Administração Pública pela UFBA. Autor de diversos trabalhos acadêmicos e científicos, dentre eles o livro Política, Economia e Questões Raciais publicado - A Conjuntura e os Pontos Fora da Curva, 2014 a 2016 (2017) e Dialogando com Celso Furtado - Ensaios Sobre a Questão da Mão de Obra, O Subdesenvolvimento e as Desigualdades Raciais na Formação Econômica do Brasil (2019). Foi Secretário Estadual de Promoção da Igualdade Racial (Sepromi) e Diretor-presidente da Companhia de Processamento de Dados do Estado da Bahia (Prodeb), Subsecretário Municipal da Secretaria da Reparação de Salvador (Semur), Pesquisador Visitante do Departamento de Planejamento Urbano da Luskin Escola de Negócios Públicos da Universidade da Califó ;rnia em Los Angeles (UCLA), Professor Visitante do Mestrado em Políticas Públicas, Gestão do Conhecimento e Desenvolvimento Regional da Universidade do Estado da Bahia (Uneb). Professor, Coordenador do Curso de Ciências Econômicas e de Pesquisa e Pós-Graduação do Instituto de Educação Superior Unyahna de Salvador.

Golpe, contragolpe e um tremendo arerê!

O papel do ministro Ricardo Lewandowski em fatiar a decisão sobre o impeachment da Presidente Dilma foi a cereja do bolo de um processo que desde o início se viu envolto da suspeita de um golpe jurídico-parlamentar. Suspeita essa que, com a manobra dos senadores mentores da trama, a homologação por parte do presidente da sessão e do encaminhamento do voto feito pelo presidente do Senado, simplesmente deixa de existir.

Com tal atitude, perdeu-se por completo toda e quaisquer justificativas sérias para a cassação do mandato de Dilma e o apeamento do PT do poder executivo federal. O que restou evidente é que a sanha da derrubada de Dilma e do PT foi sempre o cerne da questão e os erros por eles cometidos, simples detalhes. Registre-se, no entanto, que isso não quer dizer que o PT, seus aliados e a presidente Dilma, em especial, sejam vítimas de tudo isso. Não foram.

Cada um dos atores políticos que ajudaram a conformar a pseudo-hegemonia da política nacional a partir de 2003 tem sua parcela de grande responsabilidade e isso deve ficar devidamente registrado por que, tal como foi o fatiamento, restou muito claro que foi a falência da capacidade de governança política e econômica o elemento-chave para a perda do mandato de Dilma, que no final foi mitigado menos pelos esforços dos seus e mais pela eficácia política e o autointeresse das velhas hienas que, ao fim e ao cabo, são as mesmas hienas que verminam e impedem o pleno desenvolvimento do país desde sempre.

Entende-se, portanto, o comportamento pitiático de Renan Calheiros (PMDB-AL) quando sua colega Gleisi Hoffmann (PT-PR) disse para todo o país que ninguém ali – nem mesmo ela! – tinha moral para caçar a presidente. Vê-se, claramente agora, os reais motivos do aparente descompensado Renan. Naquele momento, o presidente do Senado, a senadora Katia Abreu, o presidente do STF, e sabe mais lá mais quem!, já estavam em plena conspiração para fazer a conta de chegada no resultado final da votação. Por outro lado, revela-se, também, porque Dilma se submeteu às mais de 14 horas de um interrogatório feito exatamente por aqueles juízes naturais “sem moral”, cujos votos contrários a ela já tinham sido “precificados” até pelo próprio PT.

O fato é que de uma vez por todas Brasília se consolidou como uma espécie de Sin City da política. Lá não existem inocentes e não é lugar para principiantes (Dilma que o diga!). Da parte de Renan e dos seus, não se tem dúvidas sobre o motivo de sua repentina “bondade e humanidade”. Está no DNA deles a autopreservação a partir de processos espúrios. Do lado da presidente, noticia-se que partiu da senadora e ex-ministra Katia Abreu toda a inteligência da movimentação, inclusive, a gestão dos advogados que fizeram os argumentos jurídicos para embasar todo o movimento. Ora, isso não poderia ter prosperado sem a aquiescência de José Eduardo Cardozo, ao menos. Ou seja, explica-se a aceitação por parte da defesa de um golpe que veio sendo engendrado há meses pelas forças conservadoras e reacionárias porque, no seu roteiro havia, como nas tramas hollywodianas de sucesso, a possibilidade de um contragolpe à altura nos minutos finais das tramas, ou como dizem nas favelas, “malandro que é malando quando vê que vai cair se deita!”

Mas a queda da presidente Dilma Roussef e a interrupção dos treze anos de governo do PT não foi a consequência mais trágica do processo de impeachment. Ver em plena luz do dia e em cadeia nacional que todos os poderes da República e seus líderes são participantes ativos de um processo ilegítimo que, além de ter levado à deposição de uma presidente eleita há menos de dois anos, é algo que coloca todo o sistema político brasileiro sob suspeição é, mais do que nunca, a prova cabal que tudo, absolutamente tudo, deve ser mudado nos precedimentos que definem a chegada e a manutenção no poder para as pessoas que se propõe a dirigir a Nação.

O arranjo final que foi feito pelos presidentes do Supremo e do Senado, costurado pelos senadores para transformar o impeachment em mais uma genuína jabuticaba, conseguiu, ao mesmo tempo, consolidar o entendimento da anatomia do golpe jurídico-parlamentar, mas também, explicitar que tal intento só foi possível pela total incompetência política da presidente e de seus apoiadores de barrarem toda artimanha no seu nascedouro quando da sua admissibilidade na Câmara Federal. O Senado da República fez o que parecia ser impossível à aquela altura do processo: rasgou a Constituição, apeou a presidente de seus 29 meses de gestão por um suposto crime de responsabilidade, mas a deixou livre para, no limite das loucuras que a política brasileira permite, até ser ministra do próprio Temer, se ele assim o quiser!

Exageros à parte, a pergunta que devemos fazer é qual o significado disso para nossa nação e jovem democracia.

Como se diz pelas ruas de Salvador, quem souber morre, mas não custa nada elencar algumas possibilidades. A primeira e mais óbvia é que, finalmente ficou registrada para a história a total ilegitimidade de todo o processo e o envolvimento de todos, em tudo. Independente de quaisquer discussöes técnica ou política a respeito do mesmo, o fato de o Senado não levar a cabo toda a extensão da pena que deveria ser imputada à presidente por decisão de nada mais, nada menos do que 75% dos votos, quando seriam necessários apenas 66%, é a prova cabal de que a convicção sobre a prática do crime era muito menor do que a vontade de apear Dilma e o PT do poder.

Em segundo lugar, o Senado da República, mais uma vez, legislou em causa própria. Useiros e vezeiros em acordos espúrios para livrarem-se de cassação e quando não, de poder concorrer em eleições imediatamente seguintes para manter o foro privilegiado, os senadores criaram o precedente necessário para processos análogos. O próprio Renan Calheiros que está cheio de processos no STF e o finado ACM já tiveram que abrir mão momentaneamente dos seus espaços de poder para evitar a cassação e ficarem inelegíveis. Nesse contexto, está o fator cassação de Eduardo Cunha – vilão mor de nossa Sin city – e toda a sua gangue que espraia seus tentáculos pelos poderes da República.

Por último, tem as figuras institucionais dos presidentes do STF e do Senado. No caso de Renan Calheiros a questão é muito simples e envolta nas razões de ser de políticos de sua natureza. Além de todos os aspectos acima mencionados, o presidente do senado deu uma forte demonstração ao presidente interino de que o Senado, sob sua presidência, não será apenas uma correia de transmissão do Palácio do Jaburu.

Quanto ao presidente do STF, por toda a relação que existe entre o ministro do Supremo e o campo político do PT, não seria novidade nenhuma que, durante um processo como esse, ele aproveitasse a mínima oportunidade para amenizar o efeito da queda de Dilma Rousseff. No entanto, nem o mais pessimista dos golpistas, nem o mais otimistas dos petistas, imaginavam que no apagar das luzes, ele conseguisse fazer do processo de impeachment um arerê de tamanha envergadura.

É emblemático que, ato contínuo à promulgação da decisão, a Corte Suprema esteja abarrotada de ações questionando todo o rito. A rigor, o que iria para história como mais um evento discutível da política brasileira, deverá ser enfatizado como uma situação de enorme desqualificação do STF, uma vez que a presidência do processo de impeachment ser feita pelo seu presidente é exatamente para garantir o rito processual, coisa que Lewandowski jogou para as cucuias quando impôs, com a sua decisão, que os seus colegas de toga tivessem a responsabilidade última de se pronunciar sobre um tema tão espinhoso, tudo que o eles jamais esperariam ter que fazer, ao menos, pelos motivos dados.

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