Elias de Oliveira Sampaio

Políticas Públicas

Economista do Ministério da Economia. Mestre em Economia e Doutor em Administração Pública pela UFBA. Autor de diversos trabalhos acadêmicos e científicos, dentre eles o livro Política, Economia e Questões Raciais publicado - A Conjuntura e os Pontos Fora da Curva, 2014 a 2016 (2017) e Dialogando com Celso Furtado - Ensaios Sobre a Questão da Mão de Obra, O Subdesenvolvimento e as Desigualdades Raciais na Formação Econômica do Brasil (2019). Foi Secretário Estadual de Promoção da Igualdade Racial (Sepromi) e Diretor-presidente da Companhia de Processamento de Dados do Estado da Bahia (Prodeb), Subsecretário Municipal da Secretaria da Reparação de Salvador (Semur), Pesquisador Visitante do Departamento de Planejamento Urbano da Luskin Escola de Negócios Públicos da Universidade da Califó ;rnia em Los Angeles (UCLA), Professor Visitante do Mestrado em Políticas Públicas, Gestão do Conhecimento e Desenvolvimento Regional da Universidade do Estado da Bahia (Uneb). Professor, Coordenador do Curso de Ciências Econômicas e de Pesquisa e Pós-Graduação do Instituto de Educação Superior Unyahna de Salvador.

Consciência Negra, Política e Economia

Há 18 anos Zumbi dos Palmares foi entronizado como herói brasileiro ao ter seu nome inscrito no Livro de Aço dos Heróis Nacionais, no Panteão da Pátria Tancredo Neves em Brasília. Essa é parte mais formal e visível de uma história que o Movimento Negro  vem reescrevendo e, pedagogicamente, disseminando em nosso país. Em 1971, o Grupo Palmares, do Rio Grande do Sul revelou a data do assassinato de Zumbi. Em 1978, o Movimento Negro Unificado contra a Discriminação Racial (MNUCDR) cunhou o 20 de novembro como Dia da Consciência Negra, dia da morte do homem e o nascimento do mito.

No ano das comemorações dos trezentos anos da sua imortalidade, em1995, foi realizada a Marcha Zumbi dos Palmares – Contra o Racismo, pela Igualdade e a Vida, reunindo cerca de trinta mil pessoas, militantes do movimento negro e de outros movimentos sociais no dia 20 de novembro daquele ano na capital de nossa república. Em 2005, a marcha Zumbi + 10, buscou repetir o feito, mas, dividida em duas datas, 16 e 22 de novembro, muito do conteúdo e do significado da marcha pode ter se perdido nessa “particularidade”. Na Bahia há um sem número de caminhadas nesse período de comemoração da consciência negra, destacando-se a Marcha da Consciência Negra do campo grande organizada pela Coordenação Nacional de Entidades Negras – CONEN, realizada há 36 anos; e a Caminhada da Liberdade, organizada há 15 anos pelo Fórum de Entidades Negras da Bahia, saindo do curuzu/liberdade, em frente à Senzala do Barro Preto, sede do Ilê Aiyê.

Após todos esses anos de luta, marchas e caminhadas, muitas vitórias foram alcançadas e algumas derrotas serviram de lição. Resta-nos, dessa forma, um questionamento que nos parece fundamental: qual tem sido o real significado de tudo isso para o Brasil de hoje e, de forma mais importante ainda, para o Brasil que ainda está para se construir?

Arriscamos afirmar que a primeira e mais importante resposta a esse questionamento é que o Movimento Negro brasileiro e as forças mais progressistas do país conseguiram, nesse período, e à luz de todo o acúmulo de ações e conhecimentos que remontam as revoltas do tempo da escravidão, impor uma consequente reinterpretação da nossa história. No entanto, a despeito desse importante êxito para o enfrentamento do racismo e a mitigação dos efeitos dos preconceitos e das discriminações através de bem elaboradas políticas públicas, ainda não chegamos a um patamar razoável de desenvolvimento social e econômico para o povo negro brasileiro.

Infelizmente, todo o esforço desprendido ainda não foi suficiente para a superação das desigualdades raciais, as quais, vem concorrendo para caracterizar o Brasil como o país mais injusto do Planeta. Com efeito, somente o racismo, o preconceito e a discriminação podem explicar o porquê uma nação composta, fundamentalmente, por africanos e seus descendentes, possa, em pleno século XXI, apresentar indicadores estatísticos que revelam as maiores diferenças inter-raciais em termos de qualidade de vida no âmbito material e imaterial, dentre os países ocidentais. Registre-se, ainda, e com a devida ênfase, que para além daquilo que pode ser mais facilmente revelado por dados econômicos e sociais, o chamado genocídio de homens e mulheres negras no Brasil é, sem sombra de dúvidas, o mais constrangedor nervo exposto de nossa jovem, multicultural e miscigenada sociedade, perante a comunidade mundial desenvolvida.

É diante dessas contradições explicitas que muito nos incomoda a relação entre os resultados alcançados nos últimos anos, em termos de desenho de políticas públicas antirracistas e de promoção da igualdade, e os efeitos das mesmas sobre a realidade mais concreta do povo negro e a sociedade brasileira como um todo. A nós não nos satisfaz mais reverberar uma das respostas mais comuns que nos acostumamos a ouvir e repetir de forma quase que automática, como se fosse um mantra: “o racismo estruturou a nossa sociedade e, portanto, tudo que vimos hoje por aqui, pode ser explicado a partir da compreensão desse processo”. Ou seja, o racismo passa a ser uma panaceia para todos os males de nossa sociedade, o que não é uma verdade absoluta, a despeito da sua significativa importância.

É obvio que esse o caráter “path dependence” do racismo tem muito de verdadeiro e estrutural. No entanto, no mundo real e nas histórias das sociedades, nunca foi possível verificar algo tão totalizante que justificasse o nível de crença nessa assertiva que verificamos por aqui. Por isso, o fato de sociedades que também foram “estruturadas pelo racismo”, como os EUA, terem avançado no nível de participação dos negros na economia e na política, com muito mais eficiência, do que o nosso caso, por exemplo, é algo a ser considerado de forma muito atenta.

O presidente Barack Obama e a “quase tudo” Oprah Winfrey poderiam ser apenas pontos fora da curva na história dos negros da terra do Tio Sam, caso não houvesse centenas de políticos como ele eleitos nos territórios americanos em que a população negra possui a representatividade eleitoral suficiente para isso. Oprah, por sua vez, é só o exemplo mais exitoso de um conjunto de trabalhadores e empreendedores negros, das mais diversas áreas da sociedade, que fazem com que o “PIB negro” americano, dispute acirradamente, em termos numéricos, com o PIB de países emergentes, como o próprio Brasil.

Dito isso, e se considerarmos que os ventos da crise econômica e política nos apontam para diversas quebras de paradigma e inflexão nos vários ciclos que compões as muitas relações sociais. Tudo que vem sendo identificado, particularmente nos últimos anos,  nos sugere que para além de marchas e caminhadas, odes as nossas referências históricas, mesmo que adequadamente reelaboradas, está chegada a hora de que algo a mais precisa ser inventado ou reinventado para alterar verdadeiramente a qualidade  das relações econômicas e, principalmente de poder, que norteiam a nossa sociedade.  A nossa luta e os seus respectivos resultados, não devem ser medidos em metros de caminhadas e marchas ou pela beleza e significado de nossas canções, mas sim, pelo valor econômico e político que lhes sejam subjacentes.

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