Elias de Oliveira Sampaio

Políticas Públicas

Economista do Ministério da Economia. Mestre em Economia e Doutor em Administração Pública pela UFBA. Autor de diversos trabalhos acadêmicos e científicos, dentre eles o livro Política, Economia e Questões Raciais publicado - A Conjuntura e os Pontos Fora da Curva, 2014 a 2016 (2017) e Dialogando com Celso Furtado - Ensaios Sobre a Questão da Mão de Obra, O Subdesenvolvimento e as Desigualdades Raciais na Formação Econômica do Brasil (2019). Foi Secretário Estadual de Promoção da Igualdade Racial (Sepromi) e Diretor-presidente da Companhia de Processamento de Dados do Estado da Bahia (Prodeb), Subsecretário Municipal da Secretaria da Reparação de Salvador (Semur), Pesquisador Visitante do Departamento de Planejamento Urbano da Luskin Escola de Negócios Públicos da Universidade da Califó ;rnia em Los Angeles (UCLA), Professor Visitante do Mestrado em Políticas Públicas, Gestão do Conhecimento e Desenvolvimento Regional da Universidade do Estado da Bahia (Uneb). Professor, Coordenador do Curso de Ciências Econômicas e de Pesquisa e Pós-Graduação do Instituto de Educação Superior Unyahna de Salvador.

Como será o amanhã?

O senador Antônio Anastasia apresentará o seu relatório em relação ao pedido de impeachment da Presidenta Dilma hoje. A votação dele deverá ser sexta-feira, dia 06, na Comissão, e no plenário, dia 11. Dez entre dez políticos, articulistas, jornalistas e o senso geral da população é que o processo será realmente aberto pelo Senado.

Se não houver nenhuma obra muito significativa do acaso (e o acaso existe mesmo!), a partir do 12 de maio de 2016 teremos Michel Temer como presidente interino do Brasil e Dilma Roussef, uma Presidenta afastada do cargo por até 180 dias. Mas, diferentemente do que muitos estão falando, uma reedição de um processo de impeachment em tão pouco tempo numa democracia tão jovem não representa, necessariamente, um problema para a sociedade. Ao contrário, pode significar um salto qualitativo em termos de aprendizado do fazer, na política, mesmo considerando os aspectos golpistas que tëm envolvido toda a situação, nos termos dos apoiadores da Presidenta; ou, a pseudo salvação nacional por parte dos partidários da deposição.

Os legados para o aprendizado das gerações políticas futuras de todo esse processo são muitos e alguns deles merecem destaque. O mais importante de todos eles, em nossa opinião, é o imperativo de uma revisão e autocrítica muito profunda sobre forma e o conteúdo no modelo de alianças que partidos de centro-esquerda, como o PT e seus aliados, construíram nesses quase quatorze anos de poder. Chega ser constrangedor, nos padrões da lógica, verificar que os principais possíveis representantes do núcleo duro do governo Temer, tenham sido parte, inclusive com algumas fatias importantes da política e do orçamento dos governos Lula e Dilma.

Por outro lado, não se encontra na Esplanada dos Ministérios nenhum legítimo representante dos movimentos sociais que sustentaram o próprio governo para fazer frente a esse momento de grave disputa. A ida de Henrique Meireles para o Ministério da Fazenda de Temer e a invisibilidade dos titulares das pastas que cuidam das garantias de direitos são as mais evidentes sínteses dessa questão.

Um segundo aspecto foi a velocidade que um governo eleito pelo voto direto se liquefez politicamente. Talvez só em momentos de exceção, um grupo que está há mais de dez anos no poder pode experimentar uma degradação tão avassaladora em termos de governabilidade e governança sobre os instrumentos políticos e econômicos que, ao fim e ao cabo, são os pilares que sustentam quaisquer chefes de governo. Nesse aspecto, os míseros 134 votos contra o processo de abertura do processo de impeachment conseguidos pela base do governo é o símbolo mais evidente disso, não só quantitativamente, mas principalmente pelo fato de que a estratégia principal do governo era esvaziar a votação para que os seus opositores não chegassem aos 342, os 2/3 da Câmara necessários à continuidade do processo.

Isto é o que deve ter frustrado a grande maioria dos apoiadores da Presidenta. Sequer tiveram forças para conseguir um número de abstenções suficientes para impedir a etapa que, em tese, seria mais fácil de ser vencida porque até aquele momento a tinta da caneta presidencial ainda não estava contaminada pela volatilidade em que hoje se encontra, uma vez que seu afastamento parece iminente. Como uma paródia simplista, mas muito popular, do que pareceu a votação na Câmara é aquele caso em que alguém profundamente apaixonado por outro, que não lhe deseja mais, propõe continuar uma relação desgastada mesmo que o parceiro não precise beijar mais a sua boca, nem andar de mãos dadas no shopping. Nem isso foi suficiente para a quantidade de cínicas e frias traições.

Apenas esses dois aspectos são suficientes para demonstrar que a partir de agora urge uma transformação no processo de intervenção política da centro-esquerda brasileira. Collor caiu porque não significava mesmo muita coisa e não tinha atrás de si a história e acumulação que a centro-esquerda teve com as vitórias de Lula e Dilma e um período de doze anos no poder. Por isso, nos causa um profundo desconforto, por exemplo, ver e ouvir alguns dos discursos em prol da defesa do governo, apelando para simbologias que nos remete à época dos debates do socialismo pré-científico, parecendo que os anos de poder fizeram com que fosse esquecido um dos maiores legados deixados por Marx que foi a compreensão do materialismo histórico-dialético enquanto método, por excelência, para se entender e operar de forma progressista na sociedade. No entanto, um aspecto muito falado, mas que ainda não foi devidamente “precificado”: tanto o movimento de deposição da Presidenta, quanto o de sua defesa tem tido muita atenção dos centros urbanos das grandes e médias cidades e dos meios de comunicação de massa.

A questão a que devemos atentar é como será o efeito disso tudo nos grotões do Brasil, nas periferias das grandes cidades e num contingente de juventude que se formou ou entrou na sua fase adulta sob uma perspectiva ideológica diferente do que outrora hegemonizava o país. Mais cedo ou mais tarde, muitos que não estiveram nas manifestações pró-Dilma perceberão que muito da cultura de fazer política, da relação com o povo e o popular, com os conceitos relacionados a garantia de direitos, combate ao racismo, ao machismo, a homofobia e a intolerância religiosa, deixará de ser o centro de um discurso político (mesmo com efetividade inconclusa) para ser substituído por uma visão conservadora e reacionária no tratamento de todas essas questões, ancorada pela perspectiva elitista e racista dos grandes detentores do capital do centro-sul do país e suas articulações internacionais, os quais, ao fim e ao cabo, são os grandes patrocinadores da derrota do governo, do PT e dos partidos historicamente comprometidos com os ideais de esquerda.

Talvez seja esse o legado que sirva de fio condutor para o processo de reorganização das bases sociais que sustentaram o projeto do Partido dos Trabalhadores e da centro-esquerda brasileira. Foi o distanciamento burocrático dessas bases sociais e o crasso engano de imaginar que governabilidade poderia significar sinônimo de hegemonia política, stricto senso. Esse foi o ovo da serpente que levou os atores partidários e governamentais chegarem até onde chegaram, levando de arrastão um contingente significativo da sociedade brasileira.

Não compreender adequadamente essa questão pode ser o prenúncio de que o tempo de planície poderá ser muito mais duradouro do que os cenários de hoje estão a delinear. Infelizmente, o pecado da hybris venceu novamente.

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