Lucas Faillace Castelo Branco

Direito

Lucas Faillace Castelo Branco é advogado, mestre em Direito (LLM) pela King’s College London (KCL), Universidade de Londres, e mestre em Contabilidade pela Universidade Federal da Bahia (UFBA). É ainda especialista em direito tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (IBET) e em Direito empresarial (LLM) pela FGV-Rio. É diretor financeiro do Instituto dos Advogados da Bahia (IAB) e sócio de Castelo e Dourado Advogados.

A restauração do trono inglês

Com a morte de Carlos I, o parlamento radical sai vitorioso. Uma república oligárquica se instaura, sob os auspícios do exército. Apenas a Câmara dos Comuns foi preservada, e seus membros, os mesmos do “Rump Parliament” (aquele que restou após a expulsão dos membros favoráveis a Carlos I, em 1648) escolheriam 41 pessoas para formar o Conselho de Estado, que funcionaria como o executivo. Contudo, havia oposição. Em primeiro lugar, a execução de Carlos I fez reviver em muitos os sentimentos realistas. Em segundo lugar, nem no exército vitorioso havia unanimidade: os Niveladores, setor extremado dos Independentes, queriam avançar muito mais nas reformas, propondo o sufrágio universal masculino e a abolição do voto censitário. Para eles, o governo deveria se assentar no consentimento do povo, sendo a república oligárquica contraria ao que preconizavam. Tais preceitos democráticos, como se vê, anteciparam em mais de um século as ideias das Revoluções Americana e Francesa. Os Escavadores, mais radicais ainda, preludiaram certas ideais marxistas, pois pregavam o cultivo compartilhado da propriedade.

O “Rump Parliament” revelou-se tirânico, chegando a confiscar bens de seus oponentes, o que contribuía de fato para fazer reviver o sentimento realista. Por essa razão, alguns líderes do exército assentiram em dissolvê-lo, a fim de que se convocassem novas eleições para a Câmara dos Comuns. Com essa medida, buscava-se maior representatividade. Uma via mais democrática, portanto. Porém, ante essa possibilidade, o Parlamento se antecipou tentando prolongar sua existência. Oliver Cromwell, líder militar da Guerra Civil Inglesa, então, agiu, dissolvendo-o em 1653 e, assim, tornando-se o homem mais poderoso da Inglaterra.

Cromwell, pessoalmente, acreditava no Parlamento como instituição. Sua intenção era a de que a Inglaterra fosse governada por uma comunidade de justos. Homem religioso, supunha que Deus lhe dera conhecimento superior para encontrar o melhor caminho para seu país. Imbuído desse espírito, formou o que ficou conhecido de Pequeno Parlamento. Seus membros deveriam ser devotos de Deus e os critérios da escolha eram estritos. Embora formado por homens santos, o Pequeno Parlamento não funcionou.

Em seu lugar, foi proposto o Instrumento de Governo, documento redigido por oficiais do exército, que ficou conhecido como a primeira constituição escrita da Inglaterra. Ele previa um parlamento unicameral de 400 membros, conferia a Cromwell o título de Lorde Protetor vitalício e hereditário, bem como dispunha um governo com auxílio do Conselho de Estado. Esse Parlamento se reuniu em 1654, mas logo as dificuldades apareceram, especialmente tendo em vista a insatisfação de seus membros pelos amplos poderes conferidos à Cromwell. Este, irresiginado, dissolve-o, tal como haviam feito alguns dos reis, ressuscitando o direito divino como fonte de autoridade.

Nesse ínterim, uma sublevação realista irrompeu em Wiltshire, e Cromwell viu nisso o pretexto para implementar uma ditadura militar, aprovando leis marciais que dividiram a Inglaterra em 11 distritos governados por oficiais do exército. As caras liberdades inglesas estavam mais uma vez ameaçadas, desta feita não por um rei, mas pelo governo puritano minoritário. Embora a liberdade religiosa fosse bem-vinda para eles, tendo Cromwell, dentre outras medidas, permitido a entrada de judeus na Inglaterra, as outras liberdades estavam sendo cerceadas pela imposição do rígido estilo de vida puritano. Havia multas para quem proferisse palavrões, para práticas esportivas, para jogatina e para embriaguez. Diversos teatros foram fechados e impostos eram aumentados arbitrariamente. Qualquer juiz que contestasse as leis marciais era removido do cargo. Em suma, Cromwell não fazia um governo de base popular.

Em 1656, convocou novamente o Parlamento, apenas para constatar a oposição de republicanos extremados que avultava. Isso o fez barrar a entrada destes parlamentares na Câmara dos Comuns. Mas Cromwell falece de febre em 1658, sem por um ponto final na instabilidade política. Foi sucedido por seu filho, Ricardo Cromwell. Sem a habilidade do pai, sua presença fez com que o conflito entre as várias vertentes do exército se intensificasse. O próprio Ricardo, incapaz de governar, logo renunciou ao posto que fora de seu pai. O general George Monck, em Edimburgo, chegou à conclusão de que o retorno da monarquia era o único meio de restaurar a estabilidade na Inglaterra. Marchou para Londres e, em lá chegando, anunciou a convocação de uma novo Parlamento. Uma das exigências era a de que os membros do “Rump Parliament” convocassem os membros presbiterianos que haviam sido expulsos em 1648 pelo exército puritano, durante a Guerra Civil. Como consequência, os presbiterianos tornaram-se maioria novamente e votaram pelo fim do Longo Parlamento (1640-1660). Ao mesmo tempo, Monck, que recusou o cargo de Lorde Protetor, encetou tratativas com o príncipe Carlos Stuart, que se encontrava agora exilado nos Países Baixos Espanhóis.

Carlos, então, publicou o documento denominado Declaração de Breda, que continha as condições de sua aceitação à coroa britânica. Dentre elas, prometia o perdão para todos que agiram contra a coroa, assentiu que o Parlamento decidiria as questões importantes do reino e garantiria a liberdade de consciência religiosa. Em 29 de maio de 1660, o príncipe chegou à Londres para ser coroado como Rei Carlos II.

O que releva desse episódio é que, embora tenha ocorrido a restauração monárquica, a legitimidade do Parlamento como fonte de autoridade sai fortalecida. Isso será relevante para que se entenda, no futuro, a Revolução Gloriosa.

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