Elias de Oliveira Sampaio

Políticas Públicas

Economista do Ministério da Economia. Mestre em Economia e Doutor em Administração Pública pela UFBA. Autor de diversos trabalhos acadêmicos e científicos, dentre eles o livro Política, Economia e Questões Raciais publicado - A Conjuntura e os Pontos Fora da Curva, 2014 a 2016 (2017) e Dialogando com Celso Furtado - Ensaios Sobre a Questão da Mão de Obra, O Subdesenvolvimento e as Desigualdades Raciais na Formação Econômica do Brasil (2019). Foi Secretário Estadual de Promoção da Igualdade Racial (Sepromi) e Diretor-presidente da Companhia de Processamento de Dados do Estado da Bahia (Prodeb), Subsecretário Municipal da Secretaria da Reparação de Salvador (Semur), Pesquisador Visitante do Departamento de Planejamento Urbano da Luskin Escola de Negócios Públicos da Universidade da Califó ;rnia em Los Angeles (UCLA), Professor Visitante do Mestrado em Políticas Públicas, Gestão do Conhecimento e Desenvolvimento Regional da Universidade do Estado da Bahia (Uneb). Professor, Coordenador do Curso de Ciências Econômicas e de Pesquisa e Pós-Graduação do Instituto de Educação Superior Unyahna de Salvador.

2014: um ano que insiste em não querer terminar

Finalmente o presidente da câmara de deputados, Eduardo Cunha, assumiu publicamente o que até as pedras do Pelourinho já estavam cansadas de saber: ele é oposição ao governo da Presidenta Dilma Roussef! Cada vez mais acuado pelas investigações da operação lava jato, entendemos o movimento do deputado como uma estratégia para criar uma ambientação institucional tão confusa que atenda, para ele, dois objetivos principais. O primeiro é lançar uma espessa cortina de fumaça sobre as graves acusações que pesam sobre os seus ombros. Desesperado, foge de dar explicações e começa a operar chantagens, para todos os lados, usando o cargo que ocupa. O segundo, aposta no quanto pior, melhor. A partir de suas mais profundas fantasias, imagina que quanto mais caótico se torne o ambiente político, maiores serão suas possibilidades de sair ileso das denúncias, ou criar o único enredo possível para tentar se credenciar a uma candidatura à presidência da república.

A ação do segundo homem na cadeia sucessória, companheiro de partido do vice-presidente e de quase uma dezena de ministros, demonstra que o chamado terceiro turno de 2014 não esteve apenas no imaginário das lideranças do partido derrotado nas eleições. Obviamente, que a crise econômica e política, em suas dimensões reais ou midiáticas, configuram-se em elementos sem os quais o conturbado momento político-institucional por que passa o país, não se configuraria num grau tão elevando de desconforto e apreensão. No entanto, devemos convir, também, que em se tratando de um quarto mandato consecutivo de um mesmo grupo político, apenas essas nuanças não seriam suficientes para o emparedamento de um governo sustentado, há mais de doze anos, pelo maior partido de esquerda das Américas, outras agremiações, lideranças partidárias, movimentos sociais e organizações da sociedade civil de centro-esquerda.

Do ponto de vista da operação da política e de políticas públicas mais genuínas do projeto institucionalizado no Brasil a partir do governo Lula, o ano de 2015 simplesmente não começou. Ao contrário, as agruras da disputa eleitoral de 2014 continuam vivas e muito fortes e a “tábua de salvação”, o ajuste fiscal, além de continuar no mundo das ideias, aponta para retrocessos em algumas políticas exitosas. O caso do FIES nos parece o exemplo mais emblemático e mais difícil de ser explicado.

Por isso, não nos parece razoável atribuir – em sua totalidade –a instabilidade política atual à ação de uma elite golpista e antidemocrática, capitaneada pelos meios de comunicação de massa. Todas as vitórias democráticas e populares que houve no Brasil, foram conseguidas apesar dessa mesma elite e apesar desses mesmos meios de comunicação. As revistas semanais, as redes nacionais de televisão e a grande mídia encastelada no centro-sul do país já fizeram, há muito tempo, bodas de ouro nas suas relações espúrias para a manutenção do status quo neste país.

O elemento complicador de todo esse cenário é que houve, de fato, uma mudança gradativa e constante no modus operandi de fazer política dos responsáveis pela gestão do campo político, inaugurado formalmente no poder, em 2003. Muito do que estamos experimentando do trágico ambiente que ora o país se encontra, é consequência de formas, de conteúdos e de processos sob os quais foram decididas e executadas escolhas políticas para a manutenção do próprio projeto de poder. A cada novo ciclo eleitoral foi havendo uma maior “contaminação” do projeto original pela crescente aproximação de atores, agentes políticos e sociais de espectros ideológicos contraditórios, e as vezes incompatíveis com os objetivos mais fundamentais daquilo que publicamente se mostrava pretender ser.

Não há possibilidade de solucionar um problema sem a sua devida estruturação. A aparente alienação contraditória da sociedade em relação ao saber fazer e o saber ser da macropolítica, não significa, necessariamente, uma aceitação generalizada da constante quebra de protocolos sociais que estão enraizados no seu inconsciente coletivo, em termos da ética, da justiça, das referencias históricas e do seu ethos.

O uso abusivamente elástico de alianças eleitorais em detrimento de alianças programáticas e estratégicas, trouxe problemas tanto para administração dos governos eleitos quanto para a estabilidade política na gestão do aparelho do estado quando importantes nichos de poder passaram a ser preenchidos por agentes políticos de reconhecimento sofrível (técnico e/ou político), quando não, detentores de fortes interlocuções com seguimentos sociais sem o pertencimento ou quase nenhuma identidade com o projeto que eles supostamente se propunham a servir. Há exemplos pululando nos três níveis de governo nesses últimos meses.

O efeito prático dessa complexa teia de relações é a operação de arranjos que visam atender interesses de curto prazo, em detrimento daqueles mais importantes e sustentavelmente estratégicos para a sociedade. Assim, a apertadíssima vitória eleitoral em 2014 e o tensionamento de diversos agentes políticos e atores sociais para que aquele ano não se finde, até a chegada de 2018, é uma demonstração inequívoca de que nem sempre o inimigo a ser combatido está fora das muralhas governamentais. Muitas vezes, os ataques mais certeiros contra os mais legítimos e duradouros projetos políticos são desferidos da própria Corte em consequência de arranjos políticos espúrios ou mesmo escolhas equivocadas.

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