Foto: Evelson de Freitas/Estadão
O economista e ex-presidente do BNDES, Luiz Carlos Mendonça de Barros 29 de agosto de 2019 | 17:02

‘Fundo do poço pode ter ficado para trás’, diz Mendonça de Barros

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A economia brasileira parece ter batido no fundo do poço e agora está voltando – só que em marcha lenta, avalia o economista Luiz Carlos Mendonça de Barros. Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), divulgados nesta quinta-feira, 29, apontam que o Produto Interno Bruto (PIB) do segundo trimestre cresceu 0,4% em relação ao trimestre anterior. Para o ex-presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e ex-ministro das Comunicações, o País ainda sofre de um colapso de demanda, que adia investimentos e desacelera o ritmo de recuperação. A seguir, trechos de sua entrevista ao Estado:

O resultado do PIB do segundo trimestre veio acima do esperado pelos analistas. Que sinais a economia está dando?

Quando o resultado vem melhor do que aquilo que o mercado esperava, a primeira avaliação é de que a economia bateu no fundo do poço e agora está voltando, em marcha lenta. Antes da divulgação do PIB do segundo trimestre, alguns analistas já previam um crescimento de 0,8% ou de 0,6% para o ano – e essa perspectiva deve melhorar agora. Eu sou um pouco mais otimista, acredito que o País deve crescer 1% este ano.

Ainda assim, não seria um crescimento baixo, se considerada a queda dos anos recentes?

Evidentemente, estamos falando de um crescimento baixo. Embora o IBGE tenha informado esta semana que a população brasileira está crescendo 0,8% ao ano. Se a expectativa de crescer 1% se confirmar, isso quer dizer que a economia vai crescer mais do que a população – o que é um resultado importante.

O Brasil escapou de mais um trimestre recessivo.

Alguns itens tiveram um desempenho bem acima do esperado. Na Formação Bruta de Capital Fixo (FBCF, a taxa de investimentos na economia), a alta foi de 3,2%. No comércio e no consumo, vieram números mais sólidos. Esses dados são importantes, porque interrompem um movimento contínuo para baixo que nos acostumamos a ver nos últimos trimestres. O País escapou de uma recessão técnica (quando o resultado é negativo por dois trimestres consecutivos) e estava melhor no segundo trimestre do que os analisas esperavam, mas isso não muda o quadro geral de crescimento baixo.

Que outros resultados merecem destaque?

A construção civil trouxe dados importantes e que são representativos da formação bruta de capital. Já havia sinais setoriais, mas ninguém esperava que isso se refletisse no agregado do PIB. E esse é um setor fundamental na criação de postos de trabalho de baixa qualificação. Como a construção é um setor que perdeu muito na crise, agora parece ter um movimento de alguns investidores mais ousados que tentam tomar a dianteira dos investimentos antes da recuperação plena do setor.

O resultado positivo pode animar os investidores?

Tem o aspecto psicológico importante, de não ter tido uma queda. Os analistas já viram que o pior parece ter passado. Mas ninguém vai sair correndo para fazer investimentos, porque a demanda está muito baixa e a capacidade ociosa na indústria é muito alta ainda. O investidor sente que o quadro está melhor do que imaginava, mas ainda não tem motivos para sair por aí investindo.

O agravamento da crise argentina pode causar um impacto ainda maior na indústria brasileira e nas exportações?

Acredito que a indústria já sentiu o que tinha de sentir. Mas é preciso perceber que o Brasil está umbilicalmente ligado à China, é preciso ficar atento aos desdobramentos da guerra comercial entre chineses e americanos. E há também pesquisas recentes que mostram uma perda de popularidade do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump. A Argentina sempre nos impacta, mas são os movimentos desses dois países que precisam ficar no radar do governo.

Por que a recuperação está demorando tanto?

Teve um colapso da economia, pelo exagero do crescimento. Isso é um quadro que os economistas têm dificuldade de lidar, porque acontece poucas vezes na história. Mesmo uma economia como a dos Estados Unidos, com a crise de 2008, levou tempo para se recuperar. A crise do Brasil tem a vantagem de não ter se tornado uma crise bancária, mas temos uma situação de colapso da demanda.

O governo tem conseguido lidar bem com os desafios da economia?

Caímos em uma armadilha e a recuperação é muito difícil. Alguns economistas insistem na tese errada de que a recuperação é lenta por estarmos atrasados na agenda de reformas. Não é isso. A demanda está muito fraca e o setor que responde mais rápido é o investimento privado, que demora a vir. Uma solução para isso seria fomentar o processo de privatizações, mas vai demorar um ou dois anos para se transformar esses planos em uma ponte para atrair investimentos privados. Infelizmente, essa análise é difícil de entrar na cabeça da turma do (ministro da Economia) Paulo Guedes.

Estadão Conteúdo
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