Foto: Divulgação
Cantor Lobão 23 de maio de 2019 | 09:55

‘Chamar estudante de massa de manobra é coisa de imbecil’, diz Lobão sobre Bolsonaro

brasil

No estúdio que montou no quintal de sua casa no bairro paulistano do Sumaré, Lobão, 61, trabalha em “Com a Graça de Deus”. Está mostrando na internet, aos poucos, o processo de construção da música, um rock com jeitão de trilha para faroeste italiano. Nesse mesmo refúgio, Lobão alimenta há um mês e meio seu novo canal no YouTube. E, como acontece há alguns anos, seus posicionamentos políticos estão causando mais do que seu som. Ele se tornou figura célebre na tentativa de construção de uma nova direita no país. Foi uma das vozes mais fortes no Twitter pelo impeachment de Dilma Rousseff, festejou a queda do PT e, às vésperas da eleição de 2018, apoiou Jair Bolsonaro. Por tudo isso, o que causa grande repercussão em sua fase youtuber é a desistência desse apoio e a ruptura com Olavo de Carvalho, ideólogo de Bolsonaro que teve intensa relação intelectual com Lobão entre 2013 e 2015. “Estão me chamando de traidor agora?”, diz Lobão. “Isso já aconteceu antes comigo, em relação ao PT. Esse país é uma várzea! Político para mim é um funcionário que você elege e pode te decepcionar. Não tenho vínculo passional. Não tenho time de futebol, vou ter partido político?”, dispara. Lobão enaltece os conhecimentos de Olavo e se diz agradecido por ter conhecido com ele uma literatura até então inédita para o cantor. Os dois discutiam o perfil para uma nova direita. “Você pode ser conservador, mas pode ser inteligente e elegante”, afirma, citando artistas como Ezra Pound, T.S. Eliot e Jorge Luis Borges. Embora sentisse que Bolsonaro estivesse cercado de uma “extrema direita burra e ainda mais à direita”, decidiu pelo apoio quando Paulo Guedes foi incorporado a esse projeto político. “Quando senti que ia apoiar o Bolsonaro, fiz um vídeo que é um testamento, dizendo que ele estava cercado de uma turminha perigosa. Como a gente nunca teve essa experiência liberal que eu vislumbrava na economia com o Paulo Guedes, decidi pelo apoio, mas com todas as restrições.” Os ataques seguintes a Lobão foram pesados. “Eu provoco muita fúria no cretino, principalmente nos cretinos. Tenho uma habilidade muito grande para isso. Não faço nenhuma concessão. Ainda mais num país tão subalterno como o nosso, todo mundo fala bem de todo mundo. Ninguém bate de frente, sou sozinho nisso.” Opositores aproveitam qualquer chance para zoar com ele. Neste mês, o anúncio de um show numa churrascaria em Osasco alimentou comentários sobre sua decadência no mercado musical. Segundo Lobão, trata-se apenas de uma participação no show de um grande amigo, o guitarrista Sergio Hinds, destaque do rock dos anos 1970 tocando no grupo O Terço. “O lugar é bacana, um pub. Mas ninguém quis saber, querem provocar, mas eu estou cagando para esses caras. E, antes de tudo, sou um músico profissional, toco onde quiser! Eu toco em puteiro!” Muita gente acredita que Lobão, depois de tantos hits desde os anos 1980, perdeu espaço na música por sua posição de combate ao governo no PT. Ele discorda. “Ser antipetista não atrapalhou minha carreira. Meu nível de popularidade mudou há mais de 20 anos, quando me tornei artista independente, isolado mesmo. Ser artista de esquerda ou de direita não muda muito no Brasil, o que você precisa é concordar com os mecanismos do mercado, e eu não concordo.” Lobão sempre foi um crítico feroz das leis de incentivo. “A cultura não precisa de assistencialismo. Precisa de mudanças para a criação de um show business que dê lucro. Não quero lei de incentivo, quero mudanças radicais, como fim da meia-entrada, redução de taxas para importação de instrumentos. Quero show business rentável, indústria cultural. Quero ser Coreia do Sul.” Sobre ataques pessoais, diz não se preocupar com ameaças de morte (“isso todo mundo recebe”), mas sabe que a agressão às vezes passa dos limites. Até quando atinge um de seus “inimigos” históricos, caso de Caetano Veloso. No ano passado, pessoas nas redes recriminaram o cantor baiano por ter namorado Paula Lavigne nos anos 1980, quando ela era ainda adolescente, classificando a relação como pedofilia. Quando se casaram, ela tinha 17 anos, e ele, 44.

Estadão
Comentários