Foto: Reprodução
Fachada do STF 21 de setembro de 2017 | 09:34

“Motivos ignóbeis, gente decaída”, por Raul Monteiro

exclusivas

Um levantamento simples sobre o comportamento do Supremo Tribunal Federal (STF) em questões que envolvem políticos já apontaria que sua decisão sobre a segunda denúncia formulada pela Procuradoria Geral da República contra o presidente Michel Temer (PMDB) teria o destino de ontem: seria enviada à Câmara dos Deputados, conforme o placar de sete a um sinalizou no princípio da noite, ainda que a conclusão do julgamento tenha sido transferida para o dia de hoje, quando três ministros terão ainda que votar, provavelmente sem alterar o resultado, embora membros do STF que já votaram possam rever seus posicionamentos.

O STF também agiu assim na primeira denúncia feita pelo então procurador-geral Rodrigo Janot, cujo resultado todo o Brasil sabe qual foi: o país pagou um preço altíssimo por causa da instabilidade que gerou e por meio dos recursos, muitos públicos, empregados pelo presidente para se livrar das acusações de corrupção passiva e lavagem de dinheiro entre os deputados, a maioria cobrando fatura caríssima para poder rejeitar a acusação que poderia levá-lo a uma condenação pelo próprio Supremo. Já se sabe que a denúncia de agora contra o peemedebista chega naturalmente mais enfraquecida para a apreciação dos deputados.

De lá para cá, solapou-se o injustificável acordo de delação premiada formalizado pela PGR com os irmãos Joesley e Wesley Batista, o primeiro dos quais responsável pelo auto-grampo que jogou por terra toda a estratégia até ali bem sucedida que montara para escapar ileso, junto com seus familiares e assessores, da cadeia, o que lançou suspeitas ainda mais fortes sobre as gravações conduzidas por ele que levaram às duas denúncias apresentadas por Janot, ambas apontadas não só por partidários ou defensores do presidente como inconsistentes e frágeis do ponto de vista da estrita técnica jurídica.

Neste meio tempo, o próprio Ministério Público Federal foi esfrangalhado por ações e acusações mútuas entre ex-assessores do ex-procurador geral da República envolvendo o caso da poderosa e rica JBS que acabaram por atingi-lo. Acusado de ter favorecido a empresa no bojo de uma operação paralela à Lava Jato, o procurador Angelo Goulart Villela, que se dizia íntimo de Janot, chegou a ficar preso 76 dias, por ordem do ex-amigo, saiu da prisão e deu uma entrevista à Folha, na última segunda-feira, acusando-o de ter urdido a derrubada de Temer para impedir que a procuradora Raquel Dodge o sucedesse. Janot retrucou ontem, chamando-o de corrupto.

“Que motivos ignóbeis, que gente decaída”, disse ontem o ministro Gilmar Mendes, abusando do ar de desprezo, numa alusão à revelação de Goulart Villela sobre Janot, de quem também é inimigo, e a quem, num momento do discurso, acusou ainda de ser mau caráter. Mendes lembrou também da situação de outro ex-auxiliar de Janot, Marcelo Miller, que deixou o cargo vitalício de procurador da República para se associar a um escritório de advocacia que defendia a JBS, hoje investigado sob a acusação de ter, antes, atuado nos dois lados do balcão – Procuradoria e empresa. Com certeza, não é só em relação ao Congresso que a sociedade precisa estar vigilante.

* Artigo publicado originalmente na Tribuna da Bahia.

Raul Monteiro*
Comentários