Foto: Arquivo/Agência Brasil
05 de dezembro de 2016 | 07:01

Classe política em xeque, por Raul Monteiro

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O presidente Michel Temer (PMDB) escapou por pouco dos protestos de ontem no país em defesa da Operação Lava Jato e contra as alterações no pacote anti-corrupção aprovado na semana passada pela Câmara, os quais transformaram os procuradores que tocam a operação desde Curitiba nos grandes vencedores da batalha que travam na opinião pública em defesa das medidas que julgam essenciais para acabar com os propinodutos que dragam há anos os recursos públicos da Nação. Frágil do jeito que está, Temer certamente encararia esta segunda-feira com imensa dificuldade, caso a mobilização popular tivesse se voltado contra a sua permanência no governo.

Menos sorte teve o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB), alvo de grande parte das manifestações realizadas em pelo menos 200 cidades do país. Renan, de fato, personifica a demonizada classe política brasileira, em especial a atividade parlamentar, no seio da qual as 10 medidas contra a corrupção encaminhadas pelo Ministério Público ao Congresso foram “desfiguradas” na calada de uma noite trágica da semana passada, quando o país chorava os mortos da Chapecoense. Ele incorporou o Diabo na forma da política, atraindo os holofotes para si, depois de ter tentado, sem sucesso, apressar a votação pelo Senado do pacote “desfigurado” pela Câmara.

Para completar, quase simultaneamente, ainda foi transformado em réu por peculato pelo Supremo Tribunal Federal (STF) por conta de um suposto crime cometido há 11 anos, o que só reforça a idéia, muito presente na sociedade, de que a impunidade é quem continua dando as cartas na vida pública do país. Apesar de aos olhos da maioria da população e dos milhares de manifestantes que foram ontem às ruas elas aparecerem juntas e misturadas, como se empenham em fazer crer os senhores procuradores da Lava jato, não convém confundir a Operação e seus importantes resultados contra a impunidade e a corrupção com o pacote que deputados acharam por bem alterar.

Afinal, uma grande rede de corrupção foi desvendada, vários políticos e empresários já foram presos e interrogados, além de uma parte dos recursos desviados recuperados, sem que nenhuma das medidas apresentadas pelos procuradores de Curitiba tenha sido ainda aprovada pelo Congresso. O que desencadeou a partida na qual os representantes da Lava Jato mostraram que podem dar de goleada nos políticos foi uma visível medida retaliadora por parte da Câmara dos Deputados, representada pela iniciativa de criar a figura do abuso de autoridade para juízes e procuradores num momento em que, como as manifestações de ontem mostraram, eles estão na crista da onda.

Preocupados em que a medida possa representar qualquer restrição às sua atividades, embora o que esteja em questão sejam os abusos, os procuradores partiram para a ofensiva contra uma classe política visivelmente desgastada e desacreditada, associando habilmente a iniciativa dos parlamentares ao risco de comprometimento dos trabalhos realizados em Curitiba e jogando a população contra os políticos. O resultado que se viu ontem em várias cidades do país, a demonstrar a força que o Judiciário adquiriu entre todos os poderes da República, longe de representar qualquer saída para o impasse, gerou mais um desafio para as jovens instituições nacionais resolverem da forma mais construtiva possível.

* Artigo publicado originalmente no jornal Tribuna da Bahia

Raul Monteiro*
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