Foto: Reprodução
Fachada de A Tarde 22 de outubro de 2015 | 08:16

Milhões e “lágrimas” na venda do jornal A Tarde

exclusivas

Só os funcionários de A Tarde estão mais felizes do que o grupo do prefeito ACM Neto (DEM) com a possibilidade de o jornal ser comprado por um fundo de investimento liderado pelo atual secretário municipal de Educação, Guilherme Bellintani.

As negociações, que vinham sendo tocadas há pelo menos seis meses, foram retomadas nos últimos 30 dias – depois de um esfriamento nas conversas – o que gerou no mercado e meios jornalísticos um grande boato sobre a aquisição da secular empresa.

Na redação, a possibilidade de venda do veículo a um grupo empresarial – não importa quem o integra – tem sido encarada como a saída para o risco de falência que parecia iminente e a preservação de centenas de empregos de jornalistas e nos outros setores da empresa.

“No momento, a única coisa que desejamos é que a venda se processe logo e possamos respirar com a perspectiva de novos tempos”, diz ao Política Livre um antigo funcionário do jornal que viu a decadência bater à porta do matutino da família Simões na última década.

Neste período, a terceira geração de donos assumiu de fato o controle de A Tarde e a filha do fundador, Regina Simões de Mello Leitão, faleceu, ampliando a briga fratricida entre os herdeiros que aprofundou a crise de administração que começara a emergir há pelo menos 20 anos.

Foi a fase também em que o jornal se desorganizou completamente no campo editorial, importando jornalistas e modelos de edição superados e inadequados a um produto cultural, que depende de afinidade com a localidade em que é produzido, o que o levou a praticamente perder sua identidade com a Bahia.

Combinada com desacertos estratégicos, isolamento social dos herdeiros, fragilidade da política comercial, falta de interlocução com o mercado e setores empresariais, além de uma gestão errática, inclusive na redação, o resultado foi a perda de sua grande força, a liderança em circulação.

Por meio deste trunfo, que exerceu incontestavelmente na Bahia por décadas, credenciando-se como uma voz da tradicional sociedade baiana e das novas gerações, A Tarde enfrentou brigas políticas duras, como a que ajudou a derrotar o carlismo no Estado.

Assim, o posto de mais vendido foi pela primeira vez perdido para o Correio da Bahia, jornal fundado pelo ex-senador ACM e pertencente à família do prefeito de Salvador. Hoje, os empregados de A Tarde perderam seu plano de saúde, já viram os salários atrasarem pelo menos um mês este ano e passaram a ouvir da direção prognósticos catastróficos para a empresa caso não se consiga um comprador.

“Neste momento de crise econômica no país, a venda é um verdadeiro milagre”, diz outro jornalista que acompanha ansioso o desenrolar das negociações para a aquisição do veículo, torcendo por um desfecho que salve os funcionários da possibilidade de fechamento da empresa.

Nos últimos meses, a direção, assumida em agosto de 2012 por um executivo profissional, depois da morte de Regina Simões e de muita briga entre os herdeiros, passou a compartilhar com a redação as dificuldades do matutino, que acumularia débitos estimados em mais de R$ 200 milhões.

Só junto a bancos o déficit seria de R$ 60 milhões. O desentendimento dos herdeiros quanto à necessidade de passar o controle da empresa, ao lado da dificuldade de se levantar a real dimensão da dívida por parte dos interessados, é apontado como responsável pelo atraso nas negociações.

No grupo político do prefeito, a entrada em cena de Bellintani, que recentemente filiou-se ao PPS com a expectativa de poder ser escolhido candidato a vice-prefeito de ACM Neto na campanha à reeleição, em 2016, é festejada como a possibilidade de que o veículo adquira um “interlocutor confiável”.

Na memória de netistas, ex e neo-carlistas ainda está muito vivo o papel que o jornal jogou no combate ao poder do ex-senador ACM no Estado na década de 1990. Mesmo a substituição dos herdeiros por um comando profissional, há três anos, não teria sido suficiente para melhorar a relação entre o veículo e o grupo.

Nesta fase , o viés esquerdista da direção, reproduzido em setores estratégicos da redação, pelo qual Neto também teria pago seu preço na campanha de 2012, em que venceu a eleição, teria dado lugar a um comando apolítico, porém ávido por resolver problemas financeiros emergenciais, como o pagamento da folha de pessoal e de tributos.

Na visão de gente ligada a Neto, o aprofundamento da crise financeira teria levado o jornal a fazer uma espécie de leilão de sua linha editorial entre o governo do Estado e a Prefeitura, hoje os principais anunciantes, que desagrada imensamente o grupo do prefeito. “A Tarde deixa de ter um comando ideológico exercido pela família Simões e finalmente passa ser gerida por um grupo empresarial”, sintetiza sua avaliação sobre a venda um dos principais ideólogos do grupo de Neto.

Para ele, sem prejuízo do exercício de uma linha editorial independente, que se relacione com todos as correntes políticas do Estado, com a venda para o grupo liderado pelo hoje secretário municipal de Educação, o jornal passaria por uma transformação natural de viés – do esquerdismo predominante nos últimos 20 anos para uma linha mais liberal.

Quanto ao projeto político de Belintani, ele acredita que será inevitável o fortalecimento de sua candidatura a vice entre as hoje colocadas no grupo do prefeito, mas adianta que o maior sonho do secretário seria se tornar ministro da Educação, por coincidência, posto exercido pelo fundador de A Tarde, Ernesto Simões Filho, no início dos anos 1950.

Comentários