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Advogado César Faria 04 de julho de 2015 | 08:55

Por que sou contra a redução da maioridade penal?, Por César Faria

bahia

1) Porque não será eficaz no combate à delinqüência juvenil! Os atos infracionais praticados pelos adolescentes não chegam a 10% do total de crimes praticados no Brasil (ILANUD) e apenas 1% dos homicídios ocorridos são cometidos por adolescentes (Ministério da Justiça). Em contrapartida, mais de 36% das vítimas de homicídios no Brasil são adolescentes, em oposição a 4,8% da população em geral (SDH/PR), justamente por se tratar de parcela da população mais carente de políticas públicas (Boletim IBCCRIM, Editorial de Maio/2015). Portanto, o adolescente, para quem a própria vida já não vale muito, não se intimidará com ameaça de prisão, mesmo por longo período, ao ser tratado como se fosse adulto.

2) Segundo dados publicados pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em junho de 2014, o Brasil já teria a quarta maior população carcerária do mundo, com 567,665 mil pessoas presas. Contabilizando as prisões domiciliares, já estaríamos em terceiro lugar, com 715.592 presos, em um sistema com capacidade para 358.219, com um déficit, portanto, de 358.373 vagas! Em termos relativos, ainda segundo dados do CNJ, o Brasil teria 358 presos por 100.000 habitantes, enquanto a vizinha Argentina teria menos da metade, 149/100.000 hab. Nem se compare com a Alemanha que tem apenas 78/100.000 hab. e 20% de vagas ociosas em suas prisões. Há um dado ainda mais alarmante, é que existem no Brasil quase 400 mil mandados de prisão em aberto! Em junho de 2014, exatamente 373.991 pessoas deveriam estar presas, segundo a justiça brasileira, mas continuam em liberdade e somente sabemos da sua existência, quando praticam outros crimes! Se essas pessoas fossem recolhidas, o Brasil atingiria mais de um milhão de presos (1.089.646) e o déficit de vagas subiria para 732.427! É nesse sistema carcerário falido, com uma taxa de cerca de 70% de reincidência, que se pretende colocar no Brasil os adolescentes de 16 anos que pratiquem crimes violentos e/ou hediondos, esquecendo-se que um dia eles retornarão à sociedade!

3) Com a simples redução da maioridade, os adolescentes ficariam desprotegidos, poderiam ingerir bebidas alcoólicas, dirigir veículos e não seriam mais considerados vítimas de diversos crimes sexuais, uma vez que poderiam dispor livremente do próprio corpo! Ainda que a redução permaneça limitada a crimes hediondos e violentos, um adolescente de 16 anos, por exemplo, que namorasse menor de 14 anos, responderia pelo hediondo crime de estupro de vulnerável! Arrematado absurdo!

4) Desde 1990, com a aprovação do ECA, temos uma das melhores leis sobre a proteção da criança e do adolescente do mundo, com previsão da participação da sociedade e do Estado na implantação de políticas básicas, de proteção especial e sócio-educativas para a nossa juventude. No entanto, durante todos esses anos, ainda não foi devidamente aplicada! As Unidades de internação provisórias, embora não funcionem como deveriam, estão longe de ser iguais às nossas prisões, tanto que, mesmo na atual guerra de dados comparativos, é inegável que possuem índices de reincidência bem abaixo do sistema carcerário para adultos.

5) O problema da delinqüência juvenil é extremamente complexo! Passa pela desestruturação da família, uma vez que a maioria dos adolescentes que comete crimes violentos já se encontra fora da proteção e educação familiar, tanto que seus pais sequer comparecem às unidades de Internação, quando da lavratura do boletim de ocorrência. É preciso que a sociedade e o Estado percebam a existência da criança e do adolescente antes deles cometerem crimes! A falta de atrativos e investimentos nas escolas públicas faz com que se perca o aluno para o tráfico de drogas.

6) Se a questão é o art. 121, § 3º, do Estatuto da Criança e do Adolescente, que não permite “internação” do adolescente por período superior a 03 anos, já há projeto de lei para alterá-lo, aumentando o tempo máximo de internação e fixando um tempo mínimo, atualmente indeterminado, o que também não minorará tão grave problema, se não houver melhoria na gestão e investimentos nas Casas de Correção, sempre no sentido da recuperação e reinserção social do adolescente infrator, mas servirá como uma espécie de “vingança legal”, aplacando-se a sensação de impunidade, para os que ainda acreditam que a punição daquele que infringiu a lei servirá de exemplo para que outros não o façam (prevenção geral), utilizando-se da função simbólica do Direito Penal.

7) Contudo, há um lado muito positivo na proposta de redução da maioridade penal: trazer à discussão nacional um tema de fundamental relevância para o futuro da nossa nação! Oxalá, os Deputados e Senadores reflitam que a redução da maioridade penal não é o melhor caminho para se evitar a criminalidade juvenil, unindo-se aqueles que são contra o retrocesso, para que saiam da inércia e juntos lutem pela implantação de políticas sócio-educativas para a nossa juventude, através de investimentos públicos, sobretudo, no ensino fundamental, enxergando a criança antes de se tornar um adolescente infrator!

* César Faria é advogado, professor da UFBA e presidente da Academia de Letras Jurídicas da Bahia.

Cesar Faria*
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